terça-feira, 7 de dezembro de 2010

E a vida continua

Photo Credit: Leonardini

Texto escrito por Letícia Barreto

"A vida clama por sentido. Quando somos abalados por uma perda, por uma tragédia, há um momento muito doloroso em que tudo parece ter perdido o sentido, a razão de ser. O inesperado, o que não devia acontecer, abala e aponta um longo caminho para lugar nenhum.
Algumas pessoas reagem de maneira positiva no meio do sofrimento. Foi o que Victor Frank observou nos campos de concentração, onde esteve internado por seis longos e sofridos anos. Ali perdeu sua esposa e todos seus parentes – pais, irmãos, tios... Tentando preencher seus pensamentos com as lembranças de seus estudos como psiquiatra, perguntava-se:
_ Por que alguns se desesperam e se suicidam atirando-se contra a cerca eletrificada com as últimas forças que lhe restam, e outros conservam a cabeça erguida, cantando hinos judaicos ou rezando o Pai Nosso, caminhando para o forno crematório?
Duas coisas preenchem nossa necessidade de sentido de vida, concluiu ele: uma pessoa ou uma causa. A pessoa (ou as pessoas) que amamos, com amor amadurecido feito de doação e entrega, fazem-nos dizer:
_ Fazer você feliz dá sentido à minha vida.
Algumas pessoas transformam esse Amor em uma causa, como Tereza de Calcutá em relação aos mais pobres e sofridos. Uma causa é um projeto, uma idéia, um sonho que nos dá ânimo e justifica nosso viver.
O API transforma-se em uma causa que dá sentido ao sofrer, quando percebemos a importância do apoio mútuo, da compreensão e solidariedade que emerge entre os que compartilham perdas irreparáveis.
Não ter medo de continuar amando filhos, companheiros, pessoas que permanecem conosco, enfrentar o grande risco de “amar-e-perder”, é outro desafio que a ausência doída, e sempre presente, nos faz.
Uma “ausência presente” parece um paradoxo. Lacan já dizia que a ausência só acontece se ali, antes, houve uma presença. É a presença de filhos, esposo ou esposa, pai ou mãe que partiram que continuará dando sentido à vida – o amor por eles há de ser positivo, feito de lembranças que convém conservar, sabendo-se que a vida continua ...
Há pessoas que evitam lugares onde as grandes perdas ocorreram – “não vou mais à praia”, “nunca mais vou encarar uma viagem de carro”.
Interromper a vida é negar o bem que nos foi dado. Quem tem um “para que” viver, suportará as condições mais difíceis. Se isso aconteceu em campos de concentração, poderemos ir em frente, carregando a ausência-presença que é memória, saudade, o que deu sentido à vida e... continua dando.
Transformar o ausente, em uma presença viva que nos torna melhores, mais amigos, mais solidários... isso dá sentido à vida que permanece.
Bem dizia Saint’Exupéry: “o que dá sentido à vida, dá sentido à morte”.
Dupla é a nossa missão, diante de perdas irreparáveis: manter o sentido de nossa própria vida (amando e trabalhado por um projeto) e também dar sentido à vida que se foi, interrompida mas conservada na grandeza, no drama, no amor que transcende qualquer circunstância."

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