sábado, 8 de janeiro de 2011

E as coisas do Guilherme


Photo Credit: Jascha400d
Desde que tudo aconteceu, eu sabia que o enxoval do Guilherme, seria muito útil a outro bebê. Entretanto, eu fui incapaz de me desfazer das coisas dele. Acho que era uma forma de mantê-lo presente na minha vida, uma tentativa de voltar ao passado e restaurar os nossos momentos felizes. Além disto, tudo estava impregnado de muito carinho. Motivada pela esperança de ter outro filho, acabei reforçando a necessidade de guardar todo o enxoval. Entretanto, um fato novo me fez mudar de opinião sobre este assunto. A irmã do meu marido engravidou. É um menino. E existe um enxoval inteiro guardado em algum lugar. Eu sempre tive vontade de manter todas as roupinhas, sapatinhos, brinquedos, móveis, mas hoje eu sinto vontade de me desfazer de tudo, cheguei a conclusão que são apenas coisas, roupas, que o Guilherme nem chegou a usar. Tenho a sensação de que enquanto eu não der uma utilidade para as coisas deles, nada vai se modificar. A suas coisas estão impregnadas de carinho, mas também de tristeza. Às vezes eu penso: quem é que gostaria que seu filho usasse roupinhas de um bebê que morreu? Eu já pensei em emprestar as minhas roupas para a minha cunhada, seria mais fácil, mas eu não tive coragem de ir até lá. Já li sobre o desapego aos bens materiais (1), mas confesso que colocar isto em prática é muito mais difícil do que eu sempre imaginei. É muito fácil reunir em uma sacola, uma série de roupas que não servem mais ou das quais estou enjoada e doá-las, mas me desfazer de algo que ainda tem muito significado é muito difícil. Hoje, depois de muita conversa, quase dois anos depois do nascimento do Guilherme, depois do nascimento do André (nosso sobrinho) as suas coisas foram doadas para um orfanato e acho que serão muito úteis por lá. E eu, fiquei feliz com o destino dado a elas.

Apego e Renúncia

Texto escrito por Carlos Romero
"Ensinava o grande Albert Schweitzer, que herói não é o homem da ação. Herói é o homem da renúncia.
Portanto, grandes não foram Napoleão, Hitler, Stalin, Bismark. Grande foi Jesus, Francisco de Assis e o próprio Schweitzer, que, um dia, resolveu deixar o conforto da Europa civilizada, para enfrentar a selva africana, onde foi cuidar dos negros famintos e doentes.
Mas a gente costuma valorizar os homens de ação, os homens práticos que fazem o progresso material e as guerras. Para eles todas as homenagens.
O ato da renúncia é mais louvável do que o ato do apego. E a gente vive, o tempo todo, se apegando às coisas, ás pessoas, aos lugares, como se essas coisas, essas pessoas, esses lugares estivessem, sempre, à nossa disposição.
O medo que estamos sentindo, frequentemente, é o medo das nossas perdas. Perda da mocidade, perda do dinheiro, perda da saúde, perda do prestígio, perda do amor, perda do emprego, perda da amizade.
Renunciar é, sobretudo, um ato de coragem. E poucos conseguem praticá-lo. É fácil apegar-se. Difícil é desapegar-se.
E eu estou, agora mesmo, me lembrando daquele encontro de Jesus com o moço rico, que desejava ir para o céu: "Mestre, o que é necessário para alcançar a vida eterna?"
O rapaz possuía muitas propriedades, muito dinheiro e era religioso, pois cumpria todos os mandamentos da lei mosaica: não mentia, não roubava, não caluniava, não pronunciava o nome de Deus em vão. No conceito dos homens, era um bom moço.
Jesus veio, então, com aquela recomendação que valeu por um difícil teste: dá tudo o que tens aos pobres e terás o paraíso.
Aí o moço baixou a cabeça e saiu, envergonhado, sem dizer uma palavra. O preço do paraíso era muito alto. Renunciar aos bens, aos interesses mundanos, jamais. Foi difícil formar um patrimônio; porém, mais difícil, ainda, foi renunciar, ou melhor, desapegar-se.
Não vamos interpretar o episódio ao pé da letra. A renúncia que Jesus queria era a renúncia ao apego, porque o apego é o que nos escraviza, é o que nos preocupa, é o que nos angustia, é o que nos torna infelizes, deprimidos, egoístas.
Não é o ato da renúncia que importa. O que importa é o espírito da renúncia. Você pode ter muitos bens e não ser apegado a eles, desde que se conscientize de que tudo passa, de que tudo nos chega como empréstimo, porque chegará, um dia, em que teremos de abandoná-los. Ninguém é proprietário de nada, a não ser de sua própria consciência.
É difícil renunciar. Até mesmo a um simples cigarro.
Rico é aquele que é pobre de necessidade - escreveu um grande pensador. Parafraseando, diríamos: rico é aquele que é pobre de apegos.
Renunciar ao ódio, à vingança, aos vícios, aos ressentimentos, à inveja, eis aí o grande heroísmo.
Afinal, como devemos viver no mundo?
Paulo de Tarso tem a receita. Ei-la: "viver como possuindo tudo, nada tendo, com todos e sem ninguém".
Tribuna Espírita - Out/Dez - 95"

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