sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Eu desejo a você, Meu Cometinha, e a todos os nossos companheiros de jornada...

Por Fábio Yabu

Já pensou se cada um se modificar, pelo menos um pouquinho?
No final de 2011 teremos muito mais a comemorar...
Então vamos começar com as pequenas mudanças, para depois enfrentar os grandes desafios.
Todos somos capazes de grandes transformações, pena que a nossa vontade de mudar não seja tão grande quanto a nossa capacidade de mudar.
Com este desejo de mudança, espero que possamos dar passos mais largos e audaciosos em direção a nossa real felicidade, certos que o caminho às vezes é tortuoso, mas que nunca estamos sozinhos.

Feliz Ano Novo!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Insônia


Photo Credit: Sjtoh
Eu comecei a vivenciar episódios de insônia desde a partida do Guilherme. Ainda no hospital acordava várias vezes durante a noite. Já em casa, algumas vezes não tinha sono e vontade de dormir, em outras ocasiões acordava durante a noite e não conseguia mais dormir. Então eu me transferia da cama para o sofá da sala e assistia a TV até adormecer, ou até o dia amanhecer. Como o meu bom-humor é diretamente proporcional ao número de horas de sono, nem preciso dizer como me levantava... Esta rotina se alternava com noites bem dormidas por causa do cansaço causado pela ausência de sono na noite anterior. Eu sofri com a insônia por mais de um ano. Com o passar do tempo, a freqüência com que estes episódios ocorriam foi diminuindo. Além disso, eu já conseguia identificar fatos que me faziam perder o sono, como por exemplo, discutir à noite ou me sentir muito triste durante o dia. O que me permitiu administrar melhor a qualidade do meu sono. Ultimamente, é raro passar uma noite em claro, acontece, mas eu sempre consigo identificar a sua razão. Dicas como estas do Doutor Drauzio Varella, são muito úteis para melhorar a qualidade do sono, e percebo que também poderia ter procurado um médico para auxiliar no tratamento da insônia e melhorar a minha qualidade de vida neste período.

Insônia

"A insônia se caracteriza pela incapacidade de conciliar o sono e pode manifestar-se em seu período inicial, intermediário ou final.
O tempo necessário para um sono reparador varia de uma pessoa para outra. A maioria, porém, precisa dormir de sete a oito horas para acordar bem disposta. Pesquisas recentes sugerem que aqueles que consideram suficientes quatro ou cinco horas de sono por noite, na realidade, necessitariam dormir mais. Aparentemente, pessoas mais velhas dormem menos. Entretanto, o tempo que passam dormindo pode ser exatamente o mesmo da mocidade, dividido em períodos mais curtos e de sono mais superficial.
Localizar as causas da insônia pode ser facilitado pela polisonografia, um exame que monitora o paciente enquanto dorme.
Insônia pode ser tratada com medicamentos que devem ser prescritos pelo médico. Não se automedique.
Causas da insônia
A insônia pode ter causas orgânicas e psíquicas. Pesquisas apontam a produção inadequada de serotonina pelo organismo e o estresse provocado pelo desgaste quotidiano ou por situações-limite como causas mais importantes.

Recomendações
Algumas mudanças simples no estilo de vida podem ajudar a combater a insônia, mesmo quando ela for crônica:
  • Limite o consumo de cafeína presente no café, chás, colas, chocolates, etc. Até a cafeína usada como ingrediente de alguns alimentos pode prejudicar o sono das pessoas mais sensíveis;
  • Converse com seu médico sobre os remédios que esteja usando. Certos medicamentos descongestionantes podem ser tão estimulantes quanto a cafeína;
  • Exercite-se regularmente, mas não perto da hora de dormir. Atividade física regular é essencial para quem sofre de ansiedade e ajuda a dormir melhor. No entanto, a prática de exercícios vigorosos à noite pode atrapalhar o sono;
  • Estabeleça uma rotina para seu horário de dormir e de despertar. O relógio biológico responde melhor se habituado a horários regulares. Mesmo nos finais de semana, tente manter o esquema estabelecido para os dias úteis;
  • Procure relaxar antes de ir para cama. Ouça música, leia um pouco, converse, assista a um filme. Lembre-se de que, depois de uma noite de sono reparador, as soluções para os problemas podem fluir melhor. Se nada disso resolver, vale a pena buscar ajuda profissional;
  • Use técnicas de relaxamento. Progressivamente contraia e relaxe todos os músculos do corpo, começando pelos dedos dos pés e terminando na face. Massageie suavemente o couro cabeludo. Tente visualizar uma cena ou paisagem que lhe traga satisfação;
  • Tome um banho morno. Deixe a água escorrer pelo corpo durante algum tempo, pois isso ajuda a relaxar os músculos tensos;
  • Tome um copo de leite morno. O leite contém o aminoácido triptofano, que relaxa os músculos e induz o sono;
  • Experimente ingerir chás à base de ervas como camomila, erva-doce, erva-cidreira, etc. Eles têm sido usados há séculos por pessoas que garantem sua ação relaxante;
  • Certifique-se de que não há claridade no quarto e a temperatura é agradável. Mesmo pouca luz pode atrapalhar o sono de algumas pessoas.
  • Use protetores nos ouvidos, se o barulho incomoda e não há como eliminá-lo;
  • Escolha o colchão adequado para seu peso e altura. Colchões muito macios ou muito duros são contra-indicados;
  • Reserve a cama somente para dormir e para relações íntimas. Evite ler, ver TV, trabalhar e conversar no quarto;
  • Relações sexuais são relaxantes. Após o orgasmo, as pessoas tendem a ficar sonolentas;
  • Levante-se, se não conseguiu dormir depois de trinta minutos deitado. Ficar na cama acordado pode aumentar a ansiedade, a irritação e, conseqüentemente, a insônia. Procure distrair-se com alguma atividade tranqüila e depois, mais cansado, volte para a cama e tente dormir. Repita o esquema, se necessário. Usando essa técnica, muitas pessoas conseguem reverter o processo.

Advertência

Insônia crônica requer avaliação profissional. É indispensável descobrir o que está causando essa dificuldade para dormir, pois a ausência do sono reparador pode prejudicar a saúde física e mental dos indivíduos. Por isso, não é à toa que torturadores impedem que o acusado durma quando querem arrancar deles uma confissão."

***

José Luiz Condotta, em artigo para a Revista Internacional Espírita, reproduzido no site Portal do Espiritismo, fala sobre o Sono:

"(...) A importância do sono
O sono é de extrema importância  à eficácia do equilíbrio do ser humano para uma vida saudável. A insônia (falta de sono ou da capacidade para adormecer) pode acarretar inúmeros distúrbios orgânicos e psíquicos.

Nas suas fases, já citadas, o sono provoca a produção de muitos hormônios que desempenham papéis vitais no funcionamento do organismo humano. Citamos apenas alguns: no estágio 1 - sonolência - inicia a liberação de melatonina, que depende da incidência da luz ambiental, pela Glândula Pineal (representa o ponto de união do espírito ao corpo. É o relógio biológico, foco de ligação corpo-espírito em se dando através da quarta dimensão. Nos estágios 3 e 4 ocorrem os picos de liberação da leptina (controla a sensação de saciedade) e do hormônio do crescimento, que promove a síntese protéica, o crescimento e a reparação tecidular. O sono nestes estágios tem um papel anabólico: um período de conservação e recuperação da energia física. A falta de sono, além da interferência nestes hormônios, também inibe a produção de insulina e aumenta o cortisol (hormônio do estresse). Apenas com estas alterações já podemos imaginar o grau de desequilíbrio do organismo.

Prática clínica
A insônia representa a queixa mais comum na prática psiquiátrica diária. Está presente em quase a totalidade dos transtornos mentais. Os sintomas mais comuns, a curto e em médio prazo, relacionados a ela são: cansaço, sonolência durante o dia, irritabilidade, alterações do humor, perda de memória para fatos recentes, lentidão de raciocínio, dificuldade de concentração, falta de interesse, despertar precoce, maior propensão a infecções e obesidade, envelhecimento precoce e menor vigor físico.

Tratamento da insônia
É amplo e depende da visão que tem o médico sobre o sono. Alguns recorrem rapidamente ao uso de medicamentos hipnóticos (indutores do sono). Outros, antes da prescrição do medicamento, procuram minuciosamente a causa da insônia na história do cliente, a existência de hábitos inadequados para dormir; as preocupações excessivas, o conteúdo dos pensamentos (causa de muitos transtornos emocionais, na visão espírita) e o modo de vida. (...)

Para as preocupações e conteúdos dos pensamentos: a conscientização da problemática da qual faz parte e tentar encontrar a saída menos dolorosa para o estado aflitivo causador da insônia.

Para o estilo de vida, a reconstrução de um modo de viver sem estresse, sem perda de horas de sono, que muitas vezes o mundo moderno exige, são recomendações fundamentais.

O tratamento espiritual pode ser muito útil: meditação, prece, passes espiritistas, água fluidificada e, muitas vezes, a psicoterapia espiritual. (...)

É importante a conscientização do cliente de que não deve e não pode ficar sem o sono e que para isto deverá lançar mão de todas as alternativas que o leve a dormir, para restabelecer a normalidade do ciclo sono-vigilia e com isto o equilíbrio de todo o organismo."

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sensação de infidelidade


Photo Credit: Xsmoke

Sinto muito por não ter pego o Guilherme no colo, e por isto não tenho coragem de ter nenhum outro bebê nos braços. Eu não quero ser infiel a ele, tendo carinho com outros bebês. Na minha família, por outro lado, muitas pessoas adoram paparicar outras crianças, quaisquer que sejam. Se desmancham em mimos, carícias e brincadeiras com qualquer bebê que apareça, e isso me irrita tanto, porque eu queria, eu sonhava, eu desejava, toda esta atenção para o Guilherme. Quando eu os vejo mimando outro bebê, é como se eles estivessem sendo infiéis ao Guilherme, como se não sentissem a sua ausência. E essas sensações ainda me trazem muito sofrimento, porque eu ainda não consegui compreendê-las.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Uma pausa para o Natal...

Photo Credit: Rafaortman


Desde que meus pais se separaram datas comemorativas perderam um pouco do seu significado, pois para mim sempre foram sinônimo de reunir a família, e hoje em dia, isto não é mais possível. Quando pensei que o Natal teria novamente as suas cores reavivadas por causa da chegada do Guilherme, infelizmente meus planos foram desfeitos. Então, encontro-me aqui em mais uma véspera de Natal, sem a casa decorada, com alguns presentes comprados, doente, mas com o coração repleto de esperança, certeza de estar no caminho certo, grata por estar cercada de pessoas tão especiais e feliz com o término de 2010 e o início de 2011. 

Assim, desejo a todos uma confraternização singela, paz e a companhia de Jesus,
Um Feliz Natal a todos, 
e em especial para o meu querido Guilherme,
Com amor,
Dani

O pior sentimento


Photo Credit: Andrewatla

Por acaso, descobri que a minha cunhada estava grávida. Durante a terapia, conversei sobre este novo fato com a Izadora, e como eu afirmei que não ia fazer nada a respeito, pois não tinha nada a ver com isto, ela me questionou sobre a possibilidade de que a família do Meu Bem pudesse me considerar invejosa. Eu fiquei indignada com esta possibilidade. Invejosa, eu?! Se isto passasse por suas mentes considerei que era um problema deles. Mas ao chegar em casa, corri para o dicionário e lá estava registrado:
"Inveja:
1. Desgosto, ódio ou pesar por prosperidade ou alegria de outrem.
2. Desejo de possuir ou gozar algum bem que outrem possui ou desfruta.
Invejar:
1. Ter inveja de; presenciar com desgosto e despeito a felicidade ou bem-estar alheio.
2. Aspirar ao que pertence a outrem, mas sem despeito nem baixeza."

Eu senti inveja, mas confesso que não foi fácil reconhecer nem admitir.
 Em geral, quando as pessoas vêem um bebê, sorriem, sentem o corpo se encher de alegria, perdem a noção do tempo (acho até que é uma reação fisiológica). As pessoas adoram bebês. Eu não. Em geral, as pessoas se enternecem com as grávidas se solidarizam e lhes amparam e acolhem. As pessoas adoram grávidas. Eu não.
Sempre que vejo uma grávida ou um bebê lhes desejo mentalmente muita saúde e felicidade. Mas vê-los me faz sofrer, eu sinto inveja de grávidas e mães com pequenos bebês no colo. Ver lojas de roupas de bebês, maternidades, programas de tv, fotos, me fazem sofrer. Sentir inveja é reprovável, mas confesso que é o único sentimento possível depois do que aconteceu, pelo menos pra mim. Se tudo seguisse uma ordem natural, quando uma mulher deixa de ser grávida ela se torna mãe. Mas algumas vezes não é assim que acontece. E como se chama a mulher que deixa de ser grávida e não passa a ser mãe? Não existe um substantivo para nomear este estado. Na verdade, é um estado que todos preferem acreditar que não existe, ou melhor, fazem de conta que não existe, por isto não tem um nome; por que nomear uma exceção à regra?

sábado, 11 de dezembro de 2010

Indignação

Photo Credit: Ilco

Depois que voltei a trabalhar fiquei mais exposta aos fatos do cotidiano. As idas e vindas do trabalho me traziam recordações, e às vezes me deixavam revoltada. No centro da cidade, infelizmente, é muito comum a presença de andarilhos, e com muita freqüência encontrei mães e seus bebês pedindo donativos. Foi muito difícil conviver com este tipo de cena. Por vezes eu tive vontade de dizer que cuidaria bem daquela criança, envolta em trapos e amparada pelos irmãos mais velhos (mas não muito mais velhos). Vi grávidas fumando. Senti tanta vontade de arrancar aquele cigarro de suas mãos. Infelizmente, nos noticiários, presenciamos histórias de aborto premeditado, abandono, violência, e todo tipo de exploração. Um dia, na loja de cosméticos da minha Sogra, vi uma grávida querendo comprar uma tinta para os cabelos. Minha cunhada disse que ela deveria conversar com o seu médico para saber quando poderia pintar os cabelos. Ela não se conformou e então a Flávia disse que infelizmente não poderia lhe vender o produto, certa de poderia fazer mal ao bebê. Espero que ela não tenha saído dali e comprado em outra loja. Eu tive vontade de lhe dizer que deveria proteger o seu bebê, mas não tive coragem. Fiquei dias pensando neste episódio e conclui que é fácil julgar, apontar o que cada um deve fazer, se indignar, mas compreender cada um, com toda a sua história de vida, suas motivações e anseios é difícil. Conhecer a fundo a história do outro, antes de tecer comentários, e conclusões ajuda. Me colocar em seu lugar e refletir sobre como me comportaria em sua posição também.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Reconstruindo – voltando ao trabalho


Photo Credit: Spekulator

Aos poucos percebi que devia deixar de lado os sonhos momentaneamente interrompidos, e rememorar antigos projetos que haviam sido deixados de lado ou, encontrar novas idéias e canalizar a energia destinada para cuidar do Guilherme em outra direção. É necessário reconstruir a vida e começar a partir da realização de algo novo se torna motivador. Confesso que não tinha vontade de voltar ao trabalho. Como eu tinha uma série de contas a pagar, inclusive várias parcelas no cartão de crédito referentes a berço, carrinho, roupas, etc., eu acabei não tendo escolha. Mas é difícil enfrentar todas as pessoas que com tanto carinho participaram da espera pelo Guilherme. A primeira coisa que tive que fazer, foi jogar fora tudo que estava na minha gaveta. Nela haviam estudos de distribuição dos móveis no quarto, revistas, orçamentos, agenda, anotações, livros. Apesar das dificuldades foi bom voltar a trabalhar pois fico feliz quando me sinto útil. Lentamente fui retomando as minhas atividades. Em alguns momentos eu ficava muito triste por causa de comentários ou das lembranças. No dia seguinte as coisas melhoravam. E estes momentos foram sempre se alternando, até hoje.  E assim fui colocando cada parte da minha vida no seu devido lugar, uma depois da outra. Tomando apenas o cuidado de separar o que é efêmero do que é permanente, o que depende de mim, do que não depende. Também tive a oportunidade de conhecer outras pessoas. Em todo este processo, algumas vezes recuei, algumas me decepcionei, outras me arrependi, mas logo recomecei. No início perseverar é mais importante que superar tudo o que aconteceu, até que a perseverança nos leve até a superação.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

E a vida continua

Photo Credit: Leonardini

Texto escrito por Letícia Barreto

"A vida clama por sentido. Quando somos abalados por uma perda, por uma tragédia, há um momento muito doloroso em que tudo parece ter perdido o sentido, a razão de ser. O inesperado, o que não devia acontecer, abala e aponta um longo caminho para lugar nenhum.
Algumas pessoas reagem de maneira positiva no meio do sofrimento. Foi o que Victor Frank observou nos campos de concentração, onde esteve internado por seis longos e sofridos anos. Ali perdeu sua esposa e todos seus parentes – pais, irmãos, tios... Tentando preencher seus pensamentos com as lembranças de seus estudos como psiquiatra, perguntava-se:
_ Por que alguns se desesperam e se suicidam atirando-se contra a cerca eletrificada com as últimas forças que lhe restam, e outros conservam a cabeça erguida, cantando hinos judaicos ou rezando o Pai Nosso, caminhando para o forno crematório?
Duas coisas preenchem nossa necessidade de sentido de vida, concluiu ele: uma pessoa ou uma causa. A pessoa (ou as pessoas) que amamos, com amor amadurecido feito de doação e entrega, fazem-nos dizer:
_ Fazer você feliz dá sentido à minha vida.
Algumas pessoas transformam esse Amor em uma causa, como Tereza de Calcutá em relação aos mais pobres e sofridos. Uma causa é um projeto, uma idéia, um sonho que nos dá ânimo e justifica nosso viver.
O API transforma-se em uma causa que dá sentido ao sofrer, quando percebemos a importância do apoio mútuo, da compreensão e solidariedade que emerge entre os que compartilham perdas irreparáveis.
Não ter medo de continuar amando filhos, companheiros, pessoas que permanecem conosco, enfrentar o grande risco de “amar-e-perder”, é outro desafio que a ausência doída, e sempre presente, nos faz.
Uma “ausência presente” parece um paradoxo. Lacan já dizia que a ausência só acontece se ali, antes, houve uma presença. É a presença de filhos, esposo ou esposa, pai ou mãe que partiram que continuará dando sentido à vida – o amor por eles há de ser positivo, feito de lembranças que convém conservar, sabendo-se que a vida continua ...
Há pessoas que evitam lugares onde as grandes perdas ocorreram – “não vou mais à praia”, “nunca mais vou encarar uma viagem de carro”.
Interromper a vida é negar o bem que nos foi dado. Quem tem um “para que” viver, suportará as condições mais difíceis. Se isso aconteceu em campos de concentração, poderemos ir em frente, carregando a ausência-presença que é memória, saudade, o que deu sentido à vida e... continua dando.
Transformar o ausente, em uma presença viva que nos torna melhores, mais amigos, mais solidários... isso dá sentido à vida que permanece.
Bem dizia Saint’Exupéry: “o que dá sentido à vida, dá sentido à morte”.
Dupla é a nossa missão, diante de perdas irreparáveis: manter o sentido de nossa própria vida (amando e trabalhado por um projeto) e também dar sentido à vida que se foi, interrompida mas conservada na grandeza, no drama, no amor que transcende qualquer circunstância."

sábado, 4 de dezembro de 2010

Espelho, espelho meu...

Photo Credit: Brego12

Pesquisando na internet encontrei um blog tão delicado e repleto de carinho que fiquei envolvida em um imenso amor. Eu só parei de ler por causa dos olhos cheios de lágrimas. Como é possível sentir tamanha sintonia através da leitura de alguns textos? Só mesmo compartilhando uma experiência tão profunda. Ao ler o blog Pensando na Carol,  também fiquei pensando na Carol, um anjo tão especial, amado por pais tão dedicados, que vão lhe enviar seu amor por toda a vida. Depois que conheci a Carol, nunca mais pensei no Guilherme sozinho, isso me deixou, de certa forma, feliz. Eu penso no Guilherme, eu o amo e gostaria que ele estivesse aqui, mas como não está, eu penso nele como penso nos meus amores que estão em viagem ao exterior. Não se e quando voltarão, nem sei se poderei revê-los, mas isto não impede que eu deseje que eles estejam bem, felizes, trabalhando, que eu os ame e tenha certeza de que em algum dia nos reencontraremos, conversaremos durante muito tempo até que todas as novidades sejam contadas, e tudo que está guardado seja dito. Quando sinto saudades, imagino tudo o que eu gostaria que ele visse e desfrutasse, as árvores, as flores, a Jolie, os passeios de bicicleta, os livros e os lápis de cor. Eu creio que nós poderemos nos reencontrar em outro momento, nesta ou em outra existência, na vida material ou espiritual (1). A distância não me impede de amá-lo. Mas a minha dor me impede de viver plenamente a minha vida. Pensando na Carol e no Guilherme, fica a sensação de que a minha dor não pode ser maior que o amor que uma mãe tem por um filho. E como expressar esse amor? Com uma vida cheia de amarras, melindres, impasses? Acho que tenho um grande trabalho pela frente a fim de vencer esta dor de forma que reste apenas o amor.

(1) Vida espiritual x vida material

"Uma vez que o estado espiritual é o estado definitivo do espírito e o corpo espiritual não morre, deve ser esse também o seu estado normal. O estado corporal é transitório e passageiro. É no estado espiritual, sobretudo, que o espírito colhe os frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação; é também nesse estado que se prepara para novas lutas e toma as resoluções que há-de pôr em prática na sua volta à humanidade.(...)"
Curso Básico de Espiritismo - Cap. 3 - Da Volta do Espírito, extinta a vida corporal, à vida espiritual


"(...)O progresso dos Espíritos ocorre pela encarnação, que é imposta a alguns como expiação e a outros como missão. A vida material é uma prova que devem suportar várias vezes, até que tenham atingido a perfeição absoluta. É uma espécie de exame severo ou de depuração, de onde saem mais ou menos purificados.(...)"
Introdução ao estudo da Doutrina Espírita

domingo, 21 de novembro de 2010

Na reportagem O filho possível, contei a história de outros. Aqui, conto a minha. (Eliane Brum)

Photo Credit: Eastop
 Ainda como resultado da reportagem O filho possível, Eliane Brum, generosamente nos conta sua experiência pessoal. Até agora não encontrei onde o texto original foi publicado, mas este link dá acesso ao texto completo que foi publicado no Blog de Kátia Leite do Nascimento Emmel.

"Nesta semana, publiquei uma reportagem na revista impressa chamada “O filho possível”. Eu e o fotógrafo Marcelo Min contamos a história – e as histórias – de uma UTI neonatal que também cuida dos pais. A Divisão de Neonatologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Universidade de Campinas (Unicamp), é talvez o único berçário do Brasil que pratica os cuidados paliativos. Como toda unidade neonatal, trabalha com algo ao mesmo tempo terrível e delicado: a morte de quem acabou de nascer. O fim abrupto de uma vida que existia no imenso desejo dos pais – e que não teve tempo de se realizar.
Na maioria das unidades neonatais do país, como na maioria dos hospitais gerais, os profissionais acreditam que seu trabalho termina quando não há como curar um paciente. Na neonatologia do Caism, a equipe de saúde acredita que cuidar da saúde é bem mais do que curar. Muitas vezes não dá para curar. Mas sempre dá para cuidar. E cuidar também salva.

Salva a vida breve do bebê que se vai, ao empreender todos os esforços para que não sinta dor, ao suspender qualquer tratamento invasivo e desnecessário, ao permitir que fique no colo da mãe, do pai, da avó. E salva a vida dos que ficam, ao compreender a dimensão dessa perda para cada família. Ao cuidar com delicadeza dessa morte – e do luto. (...)

Em unidades neonatais, os cuidados paleativos são uma raridade. Se é difícil enfrentar a morte no fim da vida, o fim da vida logo no início é dor condenada ao silêncio. A forma que a sociedade encontra para mascarar seu horror é minimizar a importância dessa perda, dizendo às mães variações de frases como estas: “Não se preocupe, logo você vai ter outro filho” ou “Ainda bem que não deu tempo de se apegar, assim você supera rápido”. (...)

(...) O que pouca gente parece compreender é que a vida do bebê, para os pais, não começou no seu nascimento. Iniciou muito antes, quando aquele casal sonhou com um filho, concebeu sua existência. E nele depositou suas melhores esperanças e desejos de continuidade. É uma vida muito mais longa do que horas, dias, semanas, meses. Antes de um bebê existir como indivíduo, para os pais ele já é. E é da forma mais cara para os humanos – como desejo. Quando tudo isso é arrebentado por uma morte precoce, se a família não é bem cuidada, ela se arrebenta inteira.

Para fazer a reportagem, acompanhei famílias nesse processo da doença e da perda. Escutei também mães e pais depois de alguns anos dessa tragédia pessoal. Queria compreender esse momento para poder dar aos leitores a dimensão da importância de cuidar bem do luto. E entender a diferença que a prática dos cuidados paliativos pode fazer nesse fim precoce da vida. O que significa para uma família sepultar um bebê e como uma equipe de saúde pode ajudá-la a seguir adiante.

(...) Na reportagem O filho possível, contei a história de outros. Aqui, conto a minha. (...)

Sou filha de uma família profundamente marcada pelo luto de uma morte precoce. Minha irmã, a terceira filha dos meus pais, depois de dois meninos, morreu aos cinco meses. Sobre esse momento, minha mãe sempre diz. “Eu chamei o pai para vê-la brincando no banho à tarde. À noite ela estava com febre e com manchas pelo corpo. No outro dia, estava morta”.

Acho que hoje, prestes a completar 75 anos, minha mãe ainda não compreende como é possível perder uma filha assim. Ainda mantém no rosto aquela expressão confusa, de alguém que, de repente, teve uma parte de si mesma roubada com uma violência desproporcional. No velório, ela surpreendia a si mesma olhando no relógio para ver se não estava na hora da mamadeira. Só então se dava conta de que era seu bebê que estava no caixão.

Minha irmã esteve neste mundo, de fato, por cinco meses – mas sua morte vive com minha mãe e com todos nós há quase cinco décadas. Eu fui a quarta e última filha. Não conheci minha irmã. Para mim, ela sempre pareceu mais viva do qualquer outra pessoa. Penso, com tudo o que sei hoje, que esta presença tão forte foi causada por um luto insepulto. Minha irmã morreu de meningite meningocócica. Mas o diagnóstico só chegou dez anos depois de sua morte. Até então, os médicos não entendiam o que a havia matado. De repente, tão rápido.

Minha mãe passou anos se perguntando o que havia feito de errado. Hoje, ao conversar com mães que perderam seus bebês, percebo que elas também se perguntaram. E se culparam. Só superaram porque tiveram a sorte de encontrar profissionais conscientes de seu lugar nesse luto. Uma das missões mais importantes de uma boa equipe de saúde é exatamente dar acesso a todos os exames e a toda possibilidade de investigação, para que não paire nenhuma dúvida sobre o diagnóstico. Esclarecer a causa da morte com o maior número de informações qualificadas é fundamental para que a perda possa ser superada. E que culpas infundadas não se instalem como pedras pelo resto da vida.

Em Ijuí, no início dos anos 60, os médicos não tinham nenhuma ideia do que havia acontecido com minha irmã. E a cidade pequena, como a literatura conta tão bem, pode ser o mais cruel dos mundos diante da fragilidade do outro. Logo circularam pela cidade as mais variadas versões sobre o que tinha matado minha irmã. Em uma delas, minha mãe havia deixado leite estragado na mamadeira. Como se não bastasse toda a dor e as perguntas sem respostas, minha mãe era apontada como culpada por alguns. Permaneceu mais de um ano em depressão profunda.

Quando o diagnóstico finalmente chegou, já era tarde para preencher o buraco que se abriu dentro dela. E nós, que sobrevivemos, estávamos acostumados demais a conviver com uma filha para sempre perfeita que, infelizmente, nunca teve a chance de errar. A dor dos irmãos daquele que morre ainda é um capítulo nebuloso na história do luto. Ainda hoje, eles são esquecidos na hora de cuidar da família. Nasci com a missão impossível de apagar a dor da minha mãe, de todos. Logo eu, tão imperfeita. Passei boa parte da vida culpada por fracassar e sobreviver.

Acho que só agora, depois desta reportagem, compreendo minha mãe por inteiro. Ela foi massacrada demais para ter a chance de sepultar minha irmã. Da forma que lhe foi possível, empreendeu seus melhores esforços para mantê-la viva. O que aconteceu com nossa família ainda acontece muito nos dias de hoje, nas pequenas e nas grandes cidades. Acontece sempre que a dimensão dessa perda não é compreendida ou tratada. Sempre que uma equipe de saúde se equivoca – e pensa que seu trabalho acaba quando o bebê morre, apesar de todos os esforços de cura.

Numa visão mais larga da saúde, a função de uma equipe é ajudar essa família a sepultar – também simbolicamente – esse bebê. É importante que essa vida seja não esquecida – mas lembrada como uma história que, apesar de curta, teve bons e maus momentos, como todas as vidas. Lembrada em fotos e recordações como parte da trajetória daquela família. Uma trajetória que segue.

Para isso, é necessário abarcar a dimensão dessa perda. Passei parte da minha vida sem entender como alguém que só tinha vivido cinco meses, que morreu antes de falar uma única palavra, pudesse ser tão importante. Quando, depois de adulta, testemunhei amigas que perderam seus bebês, ainda na gravidez, também não entendia por que sofriam tanto. Afinal, aquela criança nem tinha existido.

Só agora alcanço o tamanho da minha ignorância. A vida de um bebê começa sempre muito antes, na cabeça de cada pai, de cada mãe. E inicia por suas mais caras esperanças. Quando termina, é óbvio que só pode ser avassalador. Se esses pais, essa família, não forem cuidados, perdem partes essenciais de si mesmos – partes sem as quais não conseguem viver por inteiro.

Sempre acreditei que meu pai havia sofrido menos que minha mãe por essa morte. Ele raramente falava no assunto. Minha irmã não parecia tão presente em sua vida, o que me dava enorme alívio. Há dois anos, resolvi registrar a história dos meus pais. Eles me contam a vida, eu gravo. Tenho feito descobertas extraordinárias nesse processo. Uma delas foi a dor do meu pai.

Ele me contou, rosto contraído e voz embargada, que o maior sofrimento de sua vida foi a morte da minha irmã. Fiquei paralisada. Aquele homem, que ficara órfão de pai e mãe antes dos 15 anos, que havia perdido quatro irmãos ainda na infância, me dizia que a maior dor de sua vida foi perder seu bebê.

Só então comecei a compreender. Ao fazer esta reportagem, testemunhei o lugar ambíguo dos homens na morte de um bebê. Há um reconhecimento social de que, por ter gerado, a mulher é, se não a única, a maior sofredora. Muitas vezes seu sofrimento é tão aniquilador que não deixa espaço para a dor do homem, do pai daquele bebê.

O homem, que foi educado para suportar a dor em silêncio, para proteger a mulher, para ser o provedor e o esteio – e ainda hoje estes papéis são mais cimentados do que parece – aceita esse lugar menor no luto. Como dor não se joga para debaixo do tapete impunemente, essa incompreensão mútua costuma gerar muita confusão e conflitos. E às vezes até o fim do casamento.

Acho que meu pai, à sua maneira, deu um lugar para essa morte, para o seu luto. Ele tem uma caixinha de madeira, com chave, bem antiga, onde mantém a salvo pequenas preciosidades de uma vida inteira. Dia desses descobri que lá dentro, junto com as medalhas do colégio, ele guarda a participação de falecimento da minha irmã. Impecavelmente recortada e até hoje em perfeito estado, como tudo que é dele. Minha irmã é lembrança, parte de sua travessia.

Ao terminar esse texto, enviei aos meus pais para que eles me autorizassem a contar uma história que também é minha – mas é deles. Algumas horas depois meu pai me ligou. Profundamente comovido, ele queria me contar um pouco mais. Para que eu pudesse alcançar. “Na noite após o enterro houve um temporal terrível em Ijuí, com raios e trovões”, disse. “Nós queríamos protegê-la e não podíamos. Ela estava lá, sozinha, e não podíamos cuidar dela”. Prestes a completar 80 anos, meu pai ainda sofre com sua impotência diante da morte da filha. Seu bebê enterrado, debaixo da tempestade. (...)

Destinos são alterados para melhor quando uma equipe de hospital compreende que saúde é algo bem mais amplo do que tentar curar alguém de vírus, bactérias, tumores e doenças variadas. Infelizmente, a medicina nunca vai conseguir curar tudo. Médicos honestos sabem que se cura muito pouco ainda. Infelizmente, homens e mulheres, a cada ano, vão continuar perdendo bebês. Se, depois de todas as tentativas, não houver como salvá-los, é preciso compreender que, pelo menos, é possível salvar aquela família. Cuidando dela.

Conto esta história na esperança que, agora e no futuro, homens e mulheres possam ter a chance de ser compreendidos na enormidade da sua perda e fazer um luto que torne possível seguir a vida. Transformar a dor em algo ativo é parte da superação da perda. De certo modo, é o que tento fazer aqui. Escrevo para transformar. E sou transformada pelo que escrevo. Pego meu luto por tantos desencontros e o transformo em história contada, na esperança de dar a contribuição que me é possível para o início de uma mudança mais profunda do nosso olhar sobre a morte. E sobre a vida. (...)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A dor da mãe que perde um filho

O texto A dor da mãe que perde um filho conta a história de Helayne e sua filha, mais uma companheira, mais uma história para preencher o meu coração com a certeza de que devemos seguir em frente e aproveitar cada instante de nossas vidas!

"Minha história de mãe da Terra se entrelaçou com a história de uma pequena luz que veio nos fazer uma visita breve, partindo alguns dias após nascer. Minha menina tão linda, gerada com tanto amor dentro de meu ventre não resistiu às singularidades deste mundo e passou feito passarinho pelos céus de nossos olhos lacrimejados de tristeza.

É impossível descrever a dor que rugiu de minha alma e entendo que a mesma devia ser sentida e chorada com veemência a cada semana posterior de sua partida. Meu conforto foi atirar-me nos braços da fé, buscando consolo em algo maior e no amor da família. Arranquei forças de dentro de mim que não imaginava existir, para verter lágrimas em sorrisos de querer bem e gratidão a Deus.

Sim, Ele havia me presenteado! Um dia, num passado não tão distante fiz alguns combinados, sabia das escolhas que havia feito com cada uma das pessoas que passaram por mim e que estão comigo, por certo não me lembrava, até que minha pequenina veio para me ensinar e mostrar o caminho. Com a “perda” também se ganha...

Aos poucos a dor foi se dissipando, as emoções foram dando lugar a paz e as orações passaram a confortar nossos corações humanamente egoístas e cansados da matéria que nos é útil nesse plano, mas que por vezes nos pesa tanto. Sabemos que cada minuto de nossa jornada é precioso demais e deve ser vivido com entusiasmo, por isso, sejamos felizes! Minha pequena luz foi uma das melhores educadoras que já tive nessa vida, mostrou-me que a evolução da alma está na disposição de aprender e ensinar com a humildade de uma criança, com a troca de gerar e deixar ir, resignar, voar.

A vida é algo inexplicável! Foi voltando de mansinho a pulsar em nossas veias dia após dia, nossos filhos sabiamente voltaram a sorrir e correr pela casa e nosso sofrimento se estancou através do labor e do carinho de sermos todos unidos pela esperança de um dia desses nos reencontrarmos no caminho de luz que já está sendo trilhado por muitos. As lembranças de uma pequenina que cruzou nossos singelos mundos de mãe, pai, irmãos, avós, tios(as) ficarão para sempre registrados em nossas memórias. Não há de sentir culpa, raiva, mágoa por causa da morte.

Nada que nos faça estagnar no caos de sentimentos irracionais que não nos permite crescer e evoluir através do lado positivo das situações que a vida e por consequência a morte da matéria nos apresenta. A vida é construída através de nossas falas, gestos e pensamentos de amor para conosco e para com nosso próximo e a passagem de cada um de nós é a única garantia que realmente temos.

O que vai ser do futuro? Pergunta tola a minha!
Passei nove meses esperando o futuro e deixei de aproveitar mais e melhor o que era meu presente...

Por isso, aproveitem seus filhos do jeito que eles são, ame-os mesmo que distantes de ti, ame-os mesmo que não sejam como você idealizou, instrua-os para serem pessoas felizes e de bem, aproveitem cada momento com cada um de seus filhos, compartilhem com eles as experiências da vida, criem seus filhos com carinho e entusiasmo, estreitem os laços fraternais, respeitem seu desenvolvimento, suas dificuldades e elogiem seus acertos, não os protejam em demasia, mostrem os limites com clareza e tranquilidade, acompanhem cada fase, cada passo, cada letra, cada amigo, cada livro, cada amor... Não importa se viverão 9 meses e 3 dias ou 93 anos. Vivenciem seus filhos e os deixem partir quando tiverem de ir... E ao partirem, que as lágrimas caídas sejam de puro e verdadeiro amor.

Muita paz à todas as mães que deram a luz para luzes que hoje brilham aqui na Terra ou em algum lugar especial.

TPirituba (SP), 5 de Maio de 2009

Essa carta escrevi alguns meses após a passagem de minha filha Julia. Que ela esteja em paz, junto aos nossos irmãos de luz.

Helayne Peres Cardoso"

sábado, 6 de novembro de 2010

Mãe-órfã

Photo Credit: Wildthing

As reportagens Mãe-Órfã e O Filho Possível contam várias histórias, ciclos completos, embora curtos do ponto de vista de tempo, devido o trabalho da equipe da UTIN. Todas elas tem começo, meio e fim e algumas acabaram como a nossa. Mas fiquei feliz em conhecer o programa do Hospital de Campinas, que como diz na reportagem: “cuidar quando não é possível curar”, torço pelo dia em que todos os profissionais da saúde se tornem cuidadores do corpo e da alma humanos. A leitura deste texto me fez relembrar e avaliar o pouco tempo que passamos na UTNI com o Guilherme. Dado o desfecho, é impossível dizer que nossa experiência foi boa. Posso afirmar que a equipe tratou o Guilherme com carinho. Fomos instruídos sobre o seu quadro clínico, e sobre a sua fragilidade. O Meu Bem, pôde fotografá-lo. Foi pelas fotos que eu o vi pela primeira vez. Eu pude visitá-lo. Conversar com ele. À noite, quando chegamos para visitá-lo novamente observei que havia muitos pais no corredor. As enfermeiras pediram para que todos aguardassem. Ficamos esperando ali mesmo, ansiosos por podermos conversar com ele como uma famíla. Algum tempo depois a enfermeira dispensou a todos os demais pais, e só nós ficamos no corredor gelado aguardando a chegada da Médica, que falou que o quadro clínico do Guilherme havia piorado muito. Ela pediu que aguardássemos. Ficamos ali, não sei por quanto tempo mais. Por causa do frio a enfermeira nos levou para o quarto, onde ficamos rezando até que fomos chamados novamente. Ficamos aguardando mais uma vez e por nós passou um rapaz todo vestido de preto carregando alguns raios-x, ele me disse baixinho, está tudo bem, só não conte pra elas que eu te contei. Aquele comentário nos fez relaxar. Dali a algum tempo entramos na UTI. Seguir aquele procedimento para lavar as mãos foi uma tortura, pois eu queria era ver o Guilherme o quanto antes. Enquanto lavava as mãos olhava para as enfermeiras a procura de uma pista. Em seus olhares nenhuma pista, nem boa nem ruim. Adentramos ao consultório e a Médica começou a nos explicar os procedimentos que havia realizado, mostrou os raio-x, um a um, em detalhes, quando ela disse: - Eu não queria dizer isto, mas o Guilherme não resistiu. Foi uma dor imensa seguido por um alívio profundo, pois eu não queria que ele sofresse mais. Fomos convidados a entrar,o vimos, como se estivesse dormindo, apenas com uma toquinha e a fraldinha. E com pequenos roxinhos no nariz, no braço e no tórax. A enfermeira insistiu para que nós o pegássemos no colo, mas não quisemos. Deixamos ele descansar.Apesar de estar na enfermaria, eu estava sozinha no quarto, pois pela política do Hospital, mães cujos filhos estão na UTIN não dividem quarto com mães acompanhadas por seus bebês. Então a diretora do Hospital autorizou que o Meu Bem ficasse comigo. Apesar disto, ficar no hospital mais dois dias foi uma tortura. Durante a noite chamei a enfermeira, ela disse: Diga mãezinha! No dia seguinte recebi logo cedo a visita da minha Médica, que contou toda a sua história com a filha adotiva e disse para que eu pensasse no assunto. Disse também que outra paciente dela havia acompanhado o seu bebê na UTIN durante 20 dias e ele então faleceu, Não foi melhor assim? - ela perguntou. Eu respondi: Posso ir pra casa? Mas ela não deixou. Se seguiram uma série de visitas. Apesar dos remédios, eu ouvia os comentários. Minha sogra disse, vamos reunir todas as coisas do bebê para doar. Ainda bem que eu consegui responder dizendo que não. E mais remédios. Até que pude ir embora, infelizmente de braços vazios.

sábado, 30 de outubro de 2010

O filho possível


Na sequência pode-se ler a reportagem O FILHO POSSÍVEL, sensivelmente escrita por Eliane Brum, quase na íntegra, pois suprimi alguns textos e todas as imagens. Creio que você, assim como eu, tem suas próprias imagens, quer sejam mentais, quer sejam impressas. Por isto fiquei apenas com os textos, profundos, delicados e esclarecedores sobre experências vividas em uma UTIN. A reportagem completa, pode ser acessada através do link abaixo.

Reportagem de Eliane Brum (texto) e Marcelo Min (fotos) para a Revista Época

"Acompanhamos uma UTI neonatal que trabalha com cuidados paliativos. Nela, a medicina faz diferença mesmo quando não há cura.

Amor de mãe

Cristiane Nascimento e seu filho Lucas, na UTI da Divisão de Neonatologia do Caism, na Unicamp. Ela sussurra palavras de amor, e o coração dele acelera.
(...)  Lucas tem câncer. O tumor no cérebro nasceu com ele. Na cirurgia, não foi possível arrancá-lo por completo. No dia (...) 22 de janeiro, Lucas completava 2 meses. (...) Essa não a história com que Cristiane sonhou. Mas a história possível.
Ao dar à luz, mulheres como ela precisam se desprender do filho sonhado para alcançar o filho real. Com a ajuda da equipe de cuidados paliativos, Cristiane aprende a valorizar cada detalhe da vida de seu bebê, não importa o tamanho que ela tenha. Como neste momento, ao aconchegar o filho no colo e sussurrar que o ama. O aparelho da UTI mostra que, mesmo em coma, ao ouvir a voz da mãe o coração do filho bate mais rápido.
Lucas está numa UTI diferente. A Divisão de Neonatologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Universidade de Campinas (Unicamp), pratica os cuidados paliativos no tratamento de bebês malformados ou com doenças graves. Todos os esforços são empreendidos para curar. Quando não é possível, a equipe suspende tratamentos invasivos e dolorosos – e amplia os cuidados com a família e com o luto. Cada bebê tem uma história. E é preciso cuidar bem dela. (...)
(...) A cada ano, 45 mil brasileiras perdem seus filhos antes que eles completem 365 dias de vida. A essas mulheres, os profissionais de saúde costumam afirmar, com a força das verdades absolutas: “Você é jovem, vai ter outro filho”. Ou: “Você nem teve tempo de se apegar, vai superar”. Parentes e amigos repetem a toda hora essas frases. Omitem- se de escutar a dor. E calam o luto de quem precisa vivê-lo para seguir adiante.
A morte nos assombra a todos. Mas a perda de um bebê é o avesso da lógica. Ninguém espera que quem acabou de nascer possa morrer. Um filho não é apenas uma combinação única dos genes dos pais, mas a soma de seus melhores desejos de continuidade. Isso faz com que essa morte seja a menos aceita – e a mais silenciada.
Até 2001, a neonatologia do Caism era mais uma das unidades do país a acreditar que a função de profissionais de saúde limitava-se a curar doenças. Centro de referência para 42 municípios paulistas, ele acolhe os casos mais graves de malformação fetal e bebês prematuros. A morte, portanto, não é uma estrangeira em seus corredores. Mas só por descuido da recepcionista os médicos encontravam-se com os pais após a perda dos filhos. Era no setor de óbito que a família recebia a notícia, da boca de desconhecidos.
Quem mudou essa prática e transformou a unidade em algo novo no Brasil foi um bebê. Ele parava de respirar dezenas de vezes por dia. A cada uma, era preciso reanimá-lo. A equipe passou a conviver com a iminência de sua morte – e com o medo do plantonista de não conseguir revivê-lo. Não havia cura. Mas ninguém queria que ele morresse em seus braços.
Como cuidar desse bebê? Deveriam parar de reanimá-lo ou continuar prolongando seu sofrimento? A quem caberia decidir? E como conversar com os pais? As perguntas infiltraram-se no cotidiano da enfermaria. Tanto que exigiram respostas que ninguém ali tinha, apesar dos muitos diplomas e das décadas de experiência.
Sem poder conviver com tantos pontos de interrogação, a equipe buscou ajuda. Convidou a psicóloga Elisa Perina para dar uma palestra sobre a morte. Elisa trabalha há quase 30 anos no Centro Infantil Boldrini, em Campinas, uma referência no tratamento de crianças e adolescentes com câncer. É uma das precursoras da prática dos cuidados paliativos no Brasil.
Com Elisa, a equipe descobriu que a questão era mais difícil do que poderiam supor. Os profissionais não poderiam lidar com a morte de um bebê se antes não lidassem com a perspectiva da própria morte. “Antes de abrir espaço externo, é preciso abrir o interno”, diz Elisa. Foi um longo caminho até a equipe estar preparada para cuidar de bebês como Lucas para além da perspectiva da cura.

A conversa de Cristiane

Cristiane torce as mãos, nervosa. Na sala a esperam duas pediatras, psicóloga e assistente social. Estão ali para explicar a Cristiane que o câncer de Lucas não tem cura – e que a família pode contar com elas para garantir conforto. Não apenas emocional, mas prático.
A primeira preocupação da equipe é iluminar as dúvidas da mãe, para que a dor não seja agravada por incertezas de diagnóstico. É importante que a família esteja segura de que todos os recursos da medicina foram usados na tentativa de curar o bebê. A certeza de ter feito tudo o que era possível é essencial para a saúde dessa família no presente – e no futuro.
Cristiane faz muitas perguntas. Todas são respondidas com informação – e com afeto. “Se não tiver jeito de curar, eu e meu marido preferíamos que nosso bebê não fizesse outras cirurgias”, diz ela. E engole soluços.
Ela conta que não consegue cuidar de seu filho mais velho. Que tem poupado os familiares das informações mais duras e sente que pode implodir de dor. Que o marido tem vindo pouco ao hospital porque estava desempregado e só tinha conseguido trabalho fazia duas semanas. Que a vida está muito, muito difícil.
A pediatra Jussara de Lima e Souza, coordenadora do grupo, diz: “Você precisa deixar os outros cuidarem de você. Você está cuidando de todo mundo, e eles não sabem quanto você está sofrendo. Sem saber, não podem ajudar. Nós podemos cuidar para que o Lucas não sinta dor, mas não podemos fazer com que sobreviva. O que podemos é ajudar você e sua família a passar por isso”.
A conversa dura duas horas. Cristiane decide levar o filho mais velho ao hospital, para que ele possa conhecer o bebê e entender aonde a mãe vai todos os dias. Até então, o menino pensa que a mãe o abandona para se divertir com um irmão desconhecido. A assistente social coloca-se à disposição para conversar com o patrão do marido e encontrar uma forma de liberá-lo por algumas horas. A mãe pode passar a noite num dos alojamentos quando quiser ficar mais com Lucas. Cristiane é estimulada a pensar sobre tudo o que lhe daria conforto. Médicos, enfermeiras, assistentes sociais e psicóloga podem ser contatados a qualquer momento.
É uma conversa entre uma equipe de saúde e a mãe de um bebê com câncer. É uma conversa entre pessoas dispostas a alcançar a dor do outro. A informação mais importante para Cristiane é que ela não está sozinha. “Você está cuidando do Lucas da melhor maneira possível”, diz a assistente social Elaine Salcedo. “Vocês têm uma história, que vai ficar com você, seja o que for que aconteça.”
Quando a conversa termina, Cristiane decide almoçar. Nos últimos dias, só comia quando passava mal. A equipe mostra a ela que precisa comer para ser capaz de cuidar de Lucas. E que é importante – e não errado – cuidar de si mesma. (...)

Duas histórias de vida


Janaína Bueno de Moraes perdeu suas gêmeas, ambas chamadas Vitória. Ela afirma só ter conseguido superar o luto e seguir em frente pela forma como foi tratada no hospital. Hoje, Janaína é mãe de Gabriel.
No Caism, os pais podem ficar o tempo que quiserem com seus bebês, dia e noite. Aprendem a cuidar deles, a ministrar os medicamentos. O toque e a voz são estimulados. Os bebês ouvem, sentem, às vezes melhoram com esse contato tão próximo. “É importante que as mães possam se sentir mães – e não visitas. Os bebês estão doentes, mas não são nossos. São dos pais, da família”, diz Jussara. “Quando têm pouca chance de cura, não há nenhuma razão nem para procedimentos invasivos e dolorosos nem para não permitir que a família fique com eles no colo pelo tempo que quiser. Permitimos que os irmãos visitem, para que possam entender o que está acontecendo e também construir suas lembranças. É uma história de vida, não importa o tamanho que essa vida tenha. Nosso trabalho é cuidar bem dessa história. Da vida.”
Em 2004, Janaína Bueno de Moraes teve duas Vitórias. Perdeu ambas. Hoje, aos 27 anos, ela tem um bebê de 1 ano, Gabriel. “Só consegui seguir adiante por causa do cuidado que tiveram comigo”, diz. “Foi uma experiência muito dolorosa. Ao mesmo tempo, eu me sentia amparada, respeitada, ouvida. Pude cuidar das minhas gêmeas. E ensinar outras mães a cuidar de seus filhos.”
Júlia Vitória e Jaíne Vitória nasceram com 25 semanas de gestação. Janaína já tinha perdido, ainda na gravidez, outros dois bebês. Na cesariana, o médico disse: “A chance de gêmeas nascerem vivas com esse tempo de gestação é de uma em 1 milhão”. A primeira Vitória, com 580 gramas, morreu com 29 dias. A segunda, com 640 gramas, resistiu até os 8 meses.
Janaína viveu as mortes das gêmeas em mundos distintos. Testemunhou as duas formas de tratar a perda de um bebê no sistema de saúde. A primeira Vitória morreu na Unicamp. A segunda permaneceu lá por oito meses, mas morreu seis dias depois de ser transferida para outro hospital de referência. Janaína viveu dois lutos, duas lembranças. Esta é a primeira delas:
– Quando cheguei à UTI, o médico disse que minha filha estava morrendo. Outra médica perguntou se eu queria pegá-la. No meu colo, a Júlia abriu aquele olho pequeno e me olhou. Eu disse que ela fosse em paz, que tudo o que tinha de fazer na vida da mamãe e do papai já tinha feito. Fiquei segurando a mão dela. Depois, desci para um culto. Quando voltei, ela estava morta. Eles puseram roupinha nela, a botaram num bercinho e a deixaram numa sala, para que a gente pudesse se despedir. Parecia que estava dormindo. Precisei contar para a Jaíne que sua irmã tinha morrido, porque ela começou a ter uma parada cardíaca atrás da outra. Eu disse: “Você está sentindo falta de sua irmãzinha, né, fia? Sabe o que é? Lá no céu precisavam de mais uma florzinha. Jesus veio buscar a Júlia porque lá não tinha uma tão bonita. Só deixou você porque, se levasse as duas, a mamãe ficaria muito triste”.
A segunda lembrança de Janaína é de quase oito meses mais tarde:
– A Jaíne foi transferida para um hospital de Ribeirão Preto, mais perto da minha cidade. Ela não enxergava, mas, quando ouvia a minha voz, mexia a mãozinha. Acho que não tinha morrido ainda porque eu não a entregava. Eu falava assim: “Você vai ficar bem, você é a Vitória da mamãe”. Quando chegamos ao outro hospital, não me deixaram cuidar dela. Eu tinha sido treinada para cuidar dela. Então fui explicando os medicamentos para a médica, os procedimentos todos. Mas só me deixavam ficar uma hora com a minha filha. O resto do dia eu passava lá fora, angustiada. Só nos chamaram quando ela estava morrendo. Botei a mão sobre ela e entreguei minha filha a Deus, disse que ela fosse em paz. Quando acabei, uma lágrima rolou do olho dela. Eu disse a meu marido: “Você está vendo, ela estava se segurando aqui por nossa causa”. Então nos mandaram sair. Quinze minutos depois, ela morreu. Quando meu marido foi buscar nossa filha, ela estava no necrotério. Nua, com etiqueta e código de barras. Como se fosse mercadoria. Meu marido tirou a camiseta do corpo e enrolou a filha nela.
Quando foi buscar o atestado de óbito, Janaína exigiu falar com o responsável.
– Para mim, não adianta mais. Mas vocês precisam ter cuidado para lidar com a morte. Minha filha estava nua, no necrotério, com etiqueta e código de barras.
O médico respondeu:
– Calma, mãe, você é jovem, vai ter outro filho.
– Não é essa a questão – disse ela. – A questão é que eu tenho sentimentos. Minha outra filha também morreu. Mas, na Unicamp, puseram roupinha nela, botaram num bercinho. Nós nos despedimos.
– Mas lá é um hospital escola…
– É escola para que vocês possam aprender. Como você acha que vou me lembrar de minhas filhas? Da que morreu lá, eu me lembro dela dormindo, em meu colo. Da que morreu aqui, lembro com uma etiqueta e um código de barras. Como vou viver com essa imagem?".

Os pais nascem antes

A cada bebê que nasce, nasce também uma família. Poucos percebem, porém, que homens e mulheres se tornam pais e mães bem antes do nascimento do filho. “É preciso entender o que significa a perda de um bebê para ser capaz de cuidar da família. Aquela criança não viveu apenas aquelas horas, dias ou meses”, diz a psicóloga Elisa. “Para os pais, no momento em que conceberam a possibilidade de um filho, ele passou a existir. Já contém nele a continuidade de um projeto de vida. É uma história mais longa que parece. Quando é rompida por uma morte, a perda é enorme.”
Ao compreender a dimensão dessa perda, o grupo de cuidados paliativos criou um espaço para a despedida. Ali, a família começa a viver seu luto com privacidade. Só depois o corpo segue para o necrotério.
A equipe procura mostrar às mães e aos pais que eles estão construindo uma história com seus bebês. Com momentos de dor e de alegria, como são todas as vidas, curtas ou longas. As mães são estimuladas a prestar atenção também a outras dimensões do cotidiano. Ir ao cinema, jantar com o marido, arrumar o cabelo, passear com os outros filhos. A perda é elaborada para transformar-se naquilo que é: numa história, parte da travessia daquela família.
Aos 34 anos, Luciana Roberto recorda o dia mais feliz de sua vida: “Foi quando eu trouxe o Lucas para casa pela primeira vez”. O menino era fruto de sua quinta gestação. Nas outras quatro, perdera os bebês na gravidez. “Eu queria muito ser mãe”, diz ela. Ao saber que o bebê nasceria com o intestino exposto e que ela entraria em coma no parto, desejou-o mesmo assim. “Pelo menos, eu saberia o que é ser mãe.”
Luciana viveu mais de um ano no hospital. Lucas passou por dez cirurgias. Um dia a equipe fez uma surpresa. Pagou uma enfermeira para que ela pudesse passar o Dia das Mães em casa, em Itu, no Estado de São Paulo. “Era um dia tão ensolarado, eu pude mostrar tudo a ele: ‘Olha, filho, este é o céu. Olha, filho, isto é uma árvore. Olha, filho, estamos chegando a Itu’”, diz ela. “Era a primeira vez que meu filho sentia o sol. Mostrei a ele o bairro onde nasci, a cidade que amo. Minha família nos esperava. Foi muito grande isso para mim.”
Lucas morreu nos braços de Luciana, com 1 ano e 4 meses. Na pequena casa onde vive com a filha de 3 anos, nascida depois do luto, ela guarda sua história com o filho em fotografias. “Olha, aqui fizeram uma festinha para ele no hospital, com bexiga e tudo”, diz. “Ele colocou um cateter, muito difícil de conseguir, que vinha lá dos Estados Unidos. Pôde então tomar nutrição parenteral. Todo mundo comemorou.”
A trajetória narrada por Luciana não é uma vida em suspenso, à espera da cura ou do fim. É um dia de cada vez, uma história em movimento. É importante que a vida de Lucas tenha se transformado em lembranças, guardadas num álbum de fotos, para que sua mãe possa viver no presente.

Conflitos no limite da vida

Não se veem muitos pais entre os berços aquecidos. As mães estão por toda parte. Com as mais variadas justificativas, a maioria dos homens deixa suas mulheres lidar com o cotidiano da UTI. Eles assumem – por pressão social, mas também por vontade própria – o lugar tradicional do homem, ao cuidar da vida prática e da vida pública. Deixam a mulher lidar com a vida privada, não mais no lar, mas no hospital.
Às vezes, a dor da mãe é tão avassaladora que não deixa espaço para o sofrimento do pai. É como se, por ter gerado o filho, a mulher tivesse um lugar maior – e fosse natural que sofresse mais. Aos pais, restaria calar uma dor supostamente menor. As mães procuram ajuda para seus dilemas, a maioria dos pais não. Se o casal consegue conversar sobre suas dificuldades e amparar-se mutuamente, tem mais chance de superar o sofrimento. Mas a doença de um bebê, seguida ou não de morte, às vezes pode levar ao fim do casamento. “Se o casal já estava fragilizado antes da doença e da perda, há um risco grande de separação”, diz a psicóloga Elisa. “Se já não dava conta das dificuldades cotidianas, na hora de uma adversidade tão profunda, o laço pode se desfazer.”
Ao falar de seus sentimentos, algumas mulheres afirmam-se não mais como um ser humano inteiro, com várias dimensões na vida, mas reduzidas a “um útero defeituoso”. “Eu sentia que havia falhado como mulher. Nem conseguia mais transar com meu marido”, contou uma mãe. “Também sentia vergonha de minhas amigas que tinham filhos saudáveis. Me sentia menor.”
Na outra ponta, alguns pais tomaram a iniciativa da separação depois da doença do bebê. Em geral, com a justificativa de ter se apaixonado por outra mulher. Uma que pudesse lhes dar filhos saudáveis. Foi o que fez o marido da mulher citada no parágrafo anterior. Além de assumir uma suposta culpa pela morte do filho, ela achou que, ao deixá-la, o marido teria razão. Afinal, ela não era uma “mulher completa”.
Enquanto algumas mulheres assumem a “responsabilidade” pelos problemas congênitos do bebê ou da gestação, há homens que parecem se eximir de qualquer participação na existência de um bebê que, em vez de alegria, causa dor. Para alguns, gerar um bebê malformado põe a masculinidade em dúvida. A saída óbvia, já que lhes faltam recursos psíquicos para resolver a questão de forma mais sofisticada, é abandonar a mulher que lhes faz lembrar o assunto. E provar, por meio de outra, que são potentes.
Uma das mães descobriu no enterro do filho que, enquanto estava no hospital, o companheiro teve um caso. Outra soube, por meio de um telefonema anônimo, que o marido mantinha uma relação fora do casamento – e que a amante estava grávida. Ela o perdoou. Mais tarde, diria: “Não há nada mais triste que ver seu marido com um filho morto nos braços”.
Não se trata aqui de generalizar. Nem de julgar os homens que traíram ou se separaram depois da doença ou da perda de um bebê. É preciso, apenas, apontar a importância de um espaço para tentar lidar com os conflitos e a dor. Esse é também o papel dos profissionais quando se olha para a saúde de uma forma mais ampla.
Numa conversa entre uma mãe e a equipe, ocorreu um episódio significativo. A mãe contava que o marido queria fazer sexo, e ela não tinha vontade, massacrada pelo cotidiano na UTI. Sentia-se ofendida pelo desejo do marido. Levou a questão até para o pastor de sua igreja. “Como é que pode?”, disse ela à equipe. “Não se preocupa. Não é só seu marido, são todos. Ouvimos muito isso aqui”, afirmou a pediatra. E a assistente social esclareceu: “São só maneiras diferentes de lidar com a dor. Para você e a maioria das mulheres, é preciso estar bem para transar. Para seu marido e a maioria dos homens, é preciso transar para ficar bem”. Era um momento terrível. Quando perceberam, estavam todas, inclusive a mãe, quase chorando. Desta vez, de tanto rir.

A dor do pai

Quando a família perde o bebê, o desafio da equipe de saúde é, ao mesmo tempo, ajudar no luto e garantir acesso aos exames que podem detectar as causas dos problemas. Informação qualificada é a melhor maneira de eliminar culpas imaginárias e de garantir que a próxima gestação, se houver, sofrerá um risco menor de repetição.
O grupo de cuidados paliativos faz uma reunião com os familiares depois de três meses da perda. Nela, os exames são discutidos com os médicos, e as dúvidas são eliminadas. O espaço também é usado para que os pais possam falar sobre suas dificuldades e ser encaminhados para tratamento psicológico ou algum outro tipo de assistência cuja necessidade seja detectada.
O empresário Antonio Bastos, de 46 anos, marcou a equipe pela presença. Sua filha viveu menos de três dias. Nesse tempo tão curto, mas intenso, Antonio foi um ótimo pai. “A dor para o pai é tão grande quanto para a mãe. Ou maior”, diz. “Porque nós, pais, não geramos. Então, me parece que perdemos mais. Minha mulher sentiu nossa filha se mexer dentro dela, mas eu só podia conversar com a barriga.”
Quando a menina morreu, Antonio pegou-a no colo. E a beijou muito. Olhava para o bebezinho com um amor tão profundo que ninguém será capaz de esquecer a cena. “Foi uma alegria poder tocar em minha filha. E uma tristeza saber que ela não vai viver com a gente”, diz ele. De mãos dadas com a mulher e o filho, Antonio rezou em torno do berço da UTI até que, 15 minutos depois, sua filha cessou suavemente de respirar.
Na reunião do luto, três meses depois, Antonio e sua mulher precisavam compreender. “Como o problema era na placenta, minha mulher ficava se perguntando se tinha feito algo errado”, diz ele. “Tirar todas as dúvidas foi muito importante para nós. Por saber que fizemos tudo certo, dá para seguir vivendo. Esquecer, jamais. Superar, sim.”

A fotografia

(...) A fotografia é uma prática cotidiana da neonatologia do Caism. No início, os pais ficam surpresos com a oferta de fotografar seus bebês. Depois, trazem sua própria câmera. “Incentivamos os pais a tirar fotos dos filhos. É uma forma de entender que é uma história. Alguns bebês poderão ver as fotos mais tarde, outros não”, diz a pediatra Jussara Souza. “Quando a história não continua, para os pais é uma lembrança desse filho que teve uma vida curta, mas ainda assim uma vida. Nunca tivemos nenhum pai arrependido de ter tirado uma foto. Só pais que se arrependeram por não ter essa lembrança.”
Quando as mães perdem um filho, costumam dizer: “Deus me tirou um filho”. Jussara responde: “Sim, mas antes de tirar ele deu”. Essa é a função da fotografia como registro. “As pessoas precisam lembrar que tiveram um bebê”, afirma Jussara. “Mesmo que seja por um período curto, elas foram pais e mães, cuidaram do seu filho, fizeram todo o possível. E há uma imagem desse amor.”
A foto de adeus mostra por que a morte deve ser tratada como parte da vida. “A morte de um filho é uma ferida. Ela dói. Se cuidarmos dela, vai virar uma cicatriz. Vai continuar lá, como lembrança do vivido, mas não vai mais doer”, diz Jussara. “Mas, se não tratarmos dela, vai se tornar uma ferida incurável, para sempre aberta. Quando não conseguimos curar o bebê, temos de cuidar da ferida. Não posso ser Deus, como me ensinaram na faculdade de medicina. Mas posso ser humana e cuidar.”
A fotografia é o final de uma história. Não a história sonhada, mas a possível. E o possível nunca é pouco.

Vida que segue
(...) Durante cinco meses esta foi uma cena corriqueira na enfermaria: Luciana Patrício com as mãos pousadas sobre seu bebê, prematuro e com complicações de saúde. Hoje, ela cuida de Marcela em casa.
Quando viu Marcela pela primeira vez, Luciana Patrício, de 35 anos, sentiu medo. “Ela era tão frágil, parecia que não ia aguentar”, diz. Moradores de Sorocaba, ela e o marido alugaram uma quitinete perto do hospital. E Luciana não saiu mais de perto da criança. A qualquer hora do dia, lá estava ela. Sempre com a mão sobre seu bebê. Pareciam carnalmente ligadas, ela e a filha. A mão substituindo o cordão umbilical, rompido de forma abrupta.
(...) Quando Marcela piorou, a equipe de cuidados paliativos conversou com Luciana. “Eu precisava decidir o que fazer se a situação dela se agravasse. Eles queriam saber se eu queria que entubasse, se queria que ela fosse reanimada”, diz. “Foi importante falar sobre isso. Se a situação piorasse, eu não queria que ela sofresse mais. Eu tinha uma ideia diferente dos cuidados paliativos. Achava que não investiriam mais na minha filha. Pelo contrário, continuaram fazendo tudo o que era preciso.”
Marcela começou a melhorar. Luciana passou para a próxima etapa. Dentro da unidade, há um apartamento onde as mães ficam com seus filhos perto de ter alta. Lá, começam a cuidar dos bebês sozinhas, mas, a qualquer aperto, podem pedir ajuda. É uma forma de adquirir segurança para um momento tão desejado, mas difícil. “Foi maravilhoso saber que ela iria para casa, mas também deu muito medo. Ela precisa de muitos cuidados”, diz Luciana. “É estranho, mas eu sinto saudade do hospital. Por muito tempo, a equipe foi meu pai, minha mãe, meu marido, meus amigos, minha família, tudo. Se eu não estivesse num lugar assim, teria enlouquecido.”

Tia Edna e os arco-íris

Tia Edna acha que os bebês têm uma natureza de arco-íris. Ela havia acabado de sair do trabalho, na Unicamp, quando apareceu um – lindo – no céu. Procurou sua câmera fotográfica. Nada. Havia esquecido no hospital. “Era único. Perdi. Nunca mais vi aquele arco-íris”, diz ela, ainda triste. Os bebês são assim. Únicos. E a cada momento diferentes. Uma mão na boca, uma carinha risonha. Se Tia Edna não se apressa, perde. Por isso, guarda a câmera em seu carrinho de enfermagem. E clica. Eterniza.
Edna Sueli Silva do Nascimento, de 49 anos, começou a fotografar há mais de duas décadas, em 1987, com a câmera da filha. Queria registrar sua história, já que passava mais tempo no hospital que em casa. Ela trabalhava na limpeza, mas adorava aquelas “coisinhas pequenas”. Foi estimulada a terminar o ensino médio e a fazer o curso de técnica em enfermagem. Fez. Há pelo menos uma década, Tia Edna é a encarregada de encontrar as veias quase invisíveis dos bebês e de consumar o impossível: espetá-las com delicadeza. Tia Edna diz às mães para pousar suas mãos sobre os filhos: “A quentura que elas passam acalma o bebê”. E espeta.
Esse é seu trabalho oficial. O outro não é menos importante. Tia Edna transformou a câmera fotográfica num objeto tão corriqueiro quanto uma seringa na neonatologia do Caism, da Unicamp. Por intuição de contadora de histórias, ela começou a fotografar o cotidiano da equipe, dos colegas distraídos às festas natalinas. E, claro, os bebês. Sempre com suas mães, pais, irmãos, para saber quem são. Hoje, a fotografia ocupa um lugar estratégico na promoção de saúde da unidade que trata de bebês graves, muitos prematuros ou com malformação.
Por que a foto é importante? Tia Edna responde: “A mãe quer tanto aquele filho. Mas às vezes há um probleminha. Pela foto, ela tem uma recordação de que foi mãe um dia. Mesmo que ele tenha nascido e morrido logo depois, ela teve o momento dela de ser mãe. Algumas pessoas dizem: ‘Ah, mas quem vai querer um bebê desse jeito?’. Ah, mas ela quer o bebê. Não importa como ele seja, ela quer o bebê. E esse momento é único. Então, eu tiro a foto dela com seu bebê. E ela tem uma lembrança para sempre”.
Num lugar onde tantos morrem tão cedo, Tia Edna captura momentos fugazes e os transforma em eternidade. Muitas vezes, não há como salvar a vida dos bebês. Mas, da forma como lhe é possível, Tia Edna salva sua história."

domingo, 24 de outubro de 2010

Maternidade Interrompida

Photo Credit: Mkchiodi
O livro Maternidade Interrompida: o drama da perda gestacional, escrito por Maria Manuela Pontes, reúne inúmeros relatos de mães que tiveram que se despedir de seus filhos antes mesmo de vê-los com vida. O livro contém histórias tão tristes quanto as de Áurea, mas transmite maior pesar. Mas além dos relatos das mães, traz também relatos de pais e de outros familiares. Se for lido aos poucos, dá uma grande idéia sobre o universo em que vivem imersas estas mães sem filhos. Vejo que o livro tem por objetivo mostrar a realidade das perdas. Confesso que nele encontrei companhia. São tantas mães com seus braços vazios, em número muito maior do que eu poderia imaginar, que penso na imensa corrente que poderiamos formar ao nos dar as mãos e juntas abraçarmos aos que necessitam.
Já no site da Associação Artemis, eu encontrei apoio e incentivo. Nesse site, Maria Manuela Pontes e sua equipe reunem conteúdos presentes no universo das mães que perderam seus bebês desde os primeiros dias de gestação. Nele se encontram depoimentos e artigos sobre perda gestacional, fertilidade, adoção, saúde, bem-estar, formando um conjunto valioso de informações com o objetivo de apoiar e encorajar mães e familiares. Vale a pena visitá-lo e explorar todo o seu conteúdo.

Publicações:
Pontes, Maria Manoela. Maternidade Interrompida: o drama da perda gestacional.
Pontes, Maria Manoela. Pacto de Silêncio: maternidades fugazes.

domingo, 17 de outubro de 2010

Pai-órfão

Photo Credit: Mwhea6am

Li no encarte Viver Bem, Jornal Gazeta do Povo de 04/04/2010, a matéria Renascidos escrita por Adriana Czelusniak e Fernanda Trisotto e gostei muito. Para celebrar a Páscoa, uma matéria que mostra a atitude de diferentes pessoas perante diferentes embates com a vida. A doença, a adversidade, a incompreensão, o abandono, a falência e o luto. O que todas estas pessoas têm em comum? Otimismo, trabalho, perseverança, superação. Apesar de aparentemente a vida dizer não a estas pessoas, para os seus sonhos e esperanças, elas permaneceram dizendo sim para a vida, e várias delas já foram recompensadas por ter continuado a lutar. Veja a seguir o depoimento de Júnior Gabardo, 46 anos, estilista que perdeu os pais e o único filho em um acidente automobilístico.
"(...) Fazia muito calor naquela manhã de sábado, então meus pais e meu filho de 3 anos resolveram ir à praia. Não havia passado uma hora da partida deles quando me ligaram avisando sobre um acidente na serra, com um caminhão e alguns carros. Depois do choque, e de muitas horas no IML - por causa da explosão, os corpos não podiam ser reconhecidos - me lembro de, na saída do cemitério, ter percebido que a partir dali estaria sozinho. Há um buraco na minha vida nos dias após o acidente. Alguns funcionários me disseram que eu fui trabalhar, mas eu não consigo me lembrar de nada, só que a mãe do meu filho me acolheu na casa dela por alguns dias. Eu morava com meus pais, pois minha mãe estava se recuperando de um câncer de mama, e quando resolvi voltar para casa a sensação foi muito estranha: não tinha mais cheiro de gente.
A razão pela qual você vive desaparece. E é um momento perigoso, pois você está fragilizado e se pergunta onde aquelas pessoas estão, o que há depois da vida. Quando fui ao encontro de Entreajuda, na Igreja dos Mercês, conheci a meditação e isso foi importante. Lá você percebe que há muitas pessoas com problemas como o seu, ou piores, e que tragédias acontecem todo dia e o mundo não vai parar por causa disso. Depois que eles se foram, comecei a perceber mais o sofrimento do outro e a ter compaixão. Hoje estou reconstruindo a minha vida. Continuo a trabalhar com moda, mas não correndo o tempo todo. Estou estudando e dando aulas, coisa que eu escolhi porque gosto. Sinto que um dia ainda vou conseguir ajudar a aplacar a dor de alguém. (...)" 

domingo, 10 de outubro de 2010

Olha só esta história...

Photo Credit: Beriliu

É inspiradora a força, a determinação e a coragem desta mulher na conquista de seu sonho: ser mãe. Sonho conquistado após uma longa trajetória, repleta de recomeços. Mas a maior lição é a possibilidade de ser feliz, viver e continuar amando, apesar do sofrimento.

"DEPOIS DE PERDER NOVE BEBÊS, EU VIREI MÃE DE DEZ FILHOS
 
Texto extraído da Revista Marie Claire, Edição n° 202 de Janeiro de 2008, da coluna EU, LEITORA, depoimento de Áurea da Silva à repórter Patrícia Cerqueira.

O sonho de Áurea da Silva era ter muitos filhos e a casa cheia de barulho. Conseguiu realizar seu desejo, não sem antes passar por muito sofrimento. Seus primeiros nove filhos morreram com poucos dias de vida. Eram todos meninos. Apesar de tantos desencontros com a felicidade, Áurea não desistiu da maternidade. Depois de adotar uma menina de 2 anos, ela engravidou de novo, de novo e de novo. Ao todo, foram nove. Hoje, ela sorri para a vida ao lado de seus dez filhos, 23 netos e oito bisnetos. Tenho uma coisa com o número nove e vou explicar o motivo. Sempre quis ser mãe de muitos filhos, desde menina. Na infância, pegava todas as minha bonecas e passava horas cuidando delas, mergulhada no meu mundo imaginário, que eu tinha certeza de que, um dia, se tornaria verdadeiro. E foi, só que meio às avessas. Perdi meus nove primeiros filhos. Uns nasceram de nove meses e morreram depois de dias. Outros foram prematuros e não resistiram. Mas a minha obsessão em ser mãe me levou a adotar uma menina e, em seguida, engravidar outras nove vezes. Hoje tenho uma família enorme, como no meu sonho de criança.
Não sei de onde veio esse meu desejo desenfreado pela maternidade. Talvez pelo fato de a minha família de origem ser razoavelmente pequena. Meus pais só tiveram três filhas, sou a caçula. Eu pedia a minha mãe mais uma irmã, mas ela sempre dizia: 'Não, criança dá muito trabalho'. E dá mesmo, só que é bom. Mas, na minha fantasia de menina, a vida seria diferente. Teria muitos filhos e seria feliz. Eu só precisava arrumar um companheiro que aceitasse o meu plano. Isso, sim, poderia ser trabalhoso!
Tinha 12 anos quando soube pelos meus pais que hospedaríamos em casa, durante alguns dias, um primo, filho do irmão da minha mãe, que eu não conhecia. Fiquei animada com a chance de ter mais uma companhia, só não esperava me apaixonar por ele -e, melhor, ser correspondida. José era seis anos mais velho, moreno claro, meio calado, com ar de tímido. Lindo! Gamei em silêncio porque assim mandava o costume e também porque ele era primo, da família. Só que José e eu nos demos muito bem, ficamos amigos.
Às vezes, saíamos para passear e sempre conversávamos bastante. Um dia, ele pegou na minha mão e, em seguida, me pediu em namoro. A vida, naquele tempo, era diferente, havia romantismo. José me escrevia poemas amorosos, e eu respondia com outros. Assim era o nosso namoro. Meus pais logo ficaram sabendo de nossa história e, por incrível que pareça, apoiaram o nosso caso. Em lugares pequenos, como onde eu cresci, relações entre primos são mais comuns do que se imagina. Ainda mais naquela época. Só que eu não tinha a menor idéia dos problemas que viriam pela frente.
Nosso namoro firmou, eu tinha certeza de que José era o homem da minha vida, e me sentia correspondida. Nós nos divertíamos e fazíamos planos mirabolantes, entre eles o de ter muitos filhos. José também gostava de criança e achava graça quando eu dizia que queria ter muitos filhos. Pelo menos dez! Ele nunca rejeitou o meu desejo, mas acho que não acreditava que seriam dez.
Seja como for, ele me levou a sério. Ao fazer 21 anos, me pediu em casamento. Eu só tinha 15! Ninguém se opôs. Naquele tempo, os pais não pensavam em outra coisa, a não ser casar suas filhas. Também perceberam que estávamos apaixonados e preferiram aceitar a criar caso. Não sei. Só sei que me casei de véu e grinalda, em uma cerimônia para 300 pessoas. A festa começou às 19h e foi até o dia seguinte. Eu estava radiante.
José e eu fomos morar em um sítio da família, no interior da Bahia. Ele precisava administrar os negócios de lá. Era um lugar lindo, cheio de verde e muito sol. Dois meses depois, recebi a primeira das notícias que mudariam a minha vida para sempre. Eu estava grávida! Tudo corria como eu tinha imaginado: um grande amor e uma gravidez tranqüila, sem enjôos nem desejos absurdos. José estava entusiasmado, achava que ia ser um menino por causa do formato pontudo da minha barriga -a gente não tinha como saber o sexo da criança, era na surpresa.
No dia 22 de setembro, dei à luz um menino que parecia a cara do pai. Parto normal, tudo certo. Durante 20 dias, vivi minha tão sonhada maternidade. Não tive depressão, cansaço, nada. Só que, no 21º dia de vida do meu filho, fui surpreendida pela morte prematura dele. O bebê começou a chorar, chorar, nada o acalmava. Dei o peito, acarinhei, ofereci chá, fiz massagem na barriga, não adiantava. Uma hora, ele ficou quietinho nos meus braços, achei que tinha dormido de cansaço, mas estava morto.
Foi um dos piores momentos que já vivi. Sacudi a criança na esperança de ela me responder com um choro, um gemido. Mas quem chorava era eu. Chorava de desespero, aflição, angústia. José chegou correndo em casa, mas não havia o que fazer. Só nos restava enterrar o menino. Fiquei arrasada e me sentindo culpada. O que eu teria feito de errado para carregar meu filho morto?
Eu não sabia até ali que primos podem gerar filhos com problemas de saúde. A parteira que me atendeu havia comentado que esse parentesco era perigoso e isso me atormentou durante anos. Por um lado, repensava o meu casamento com José. Por outro, eu o amava demais. Não via nenhuma saída.
Durante muito tempo, a imagem do meu filho deitado no caixão branco, estofado de tecido azul-claro e enfeitado com flores brancas martelou a minha cabeça. O pior é que passei por muitas outras situações iguais a essa -e, apesar disso, nunca me acostumei com a morte prematura.
Recebi muito apoio da família, especialmente de minha sogra. Ela dizia que eu era jovem e que ninguém pode mudar seu próprio destino. Verdade ou não, me sustentava nas palavras dela. Poucos meses depois, engravidei novamente. Fiquei feliz, claro, mas sentia medo de perder mais um bebê, até porque, a partir do sexto mês, tive cólicas intensas. Mesmo assim agüentei até o final. Só que meu segundo filho também morreu. Mais depressão, mais um pequeno caixão branco, mais um enterro.
Eu me sentia a pior mulher do mundo. Passei a acreditar que o problema era realmente o meu parentesco com José. Mas as explicações para as mortes eram outras: parada cardíaca e tétano umbilical. Nada a ver com a nossa consangüinidade. Mas essas respostas não me consolavam. Nem a José, que andava abatido e amargurado.
Meses depois do segundo enterro, engravidei de novo e mais uma vez perdi a criança. A terceira. Eu queria morrer, não agüentava mais me encher de esperança, sofrer as dores do parto e voltar para casa de mãos vazias. Ainda assim, engravidei outras seis vezes -e perdi todos. Cinco nasceram de nove meses e morreram dias depois. A partir da sexta gestação, fui tendo bebês cada vez mais prematuros, que não resistiram. Eram todos meninos, todos foram batizados e enterrados, um do lado do outro.
Dos 15 aos 23 anos, foram nove tentativas para me tornar mãe. Um verdadeiro pesadelo! Eu estava destruída física e emocionalmente. Na minha cabeça, eu não merecia ser mãe por ter me apaixonado perdidamente pelo meu primo. José também achava que era esse o problema, mas a gente não conseguia se separar, era amor mesmo o que sentíamos um pelo outro. Eu quase enlouqueci pensando sobre isso. Tanto homem no mundo e fui escolher justo um que não podia me dar filhos. José provavelmente pensava a mesma coisa sobre mim.
Mas ele sofria calado e ficava pior ao me ver naquele estado depressivo e deprimente, com os seios cheios de leite, chorando como uma louca, me sentindo um lixo. Eu via minhas amigas tendo seus filhos e, involuntariamente, sentia uma ponta de inveja. Não por elas ou suas crianças, mas por eu não ter sido capaz de fazer vingar a vida de um bebê. Estava exausta, não queria tentar outra gravidez, mas ainda não tinha perdido a esperança de me tornar mãe.
Por isso convenci José -e a mim mesma- a adotar uma menina de dois anos por quem me apaixonei, filha de uma moradora de rua. Anailde é o nome dela, conforme seu registro. Apesar da idade, ela não dava um passo sozinha e falava pouco. Acho que ela não era bem tratada. Assim que chegou em casa, eu a peguei no colo e a abracei. Sem exagero, foi o dia mais feliz da minha vida. Ana, como a chamo, precisava de muitos cuidados e teve todos.
Meses mais tarde, engravidei de novo. Estava com uma nova barriga e um medo monstruoso de perder mais uma criança. Foram nove meses de profunda angústia e, ao mesmo tempo, de felicidade. E se dessa vez desse tudo certo? Eu tinha uma ponta de esperança, mas estava tensa, tinha ansiedade, dormia mal e, quando dormia, sempre sonhava com um dos enterros. Era uma sensação estranha... Ficava feliz com a gravidez, mas, ao mesmo tempo, não conseguia me sentir bem. Era como se eu já estivesse preparada para o pior.
Mas nasceu mais um menino. Batizei no mesmo dia: José, como o pai. Os dias seguintes ao nascimento também foram de grande angústia. Ana não saía de perto de mim, e eu não desgrudava os olhos de José. A minha sorte foi que ele era tranqüilo, dessas crianças que mamam e dormem bastante. Parecia saudável, mas os outros também, eu pensava. Por seis meses inteiros, vivi em total estado de alerta.
José, o filho, não podia chorar que eu corria até o berço, se dormia demais eu já ia ver se estava respirando, se dormia no peito eu o acordava. Sair de casa, nem pensar. Eu estava totalmente dedicada ao menino e a Ana. Coitados! Atormentei demais essas crianças.
Ter a certeza de que ele sobreviveria foi a maior alegria da minha vida. Nem eu nem José acreditávamos que uma criança nascida da minha barriga iria crescer do nosso lado. Eu parecia uma tonta de tanto orgulho que tinha de ser mãe de um casal. Pegava Ana e José e saía pela cidade só para me exibir para os outros. Era como se eu dissesse: 'Olha só as minhas crianças'. Para mim, não havia meninos mais bonitos e espertos que os meus.
Eu ainda estava amamentando José quando recebi a notícia de mais uma gravidez. Dessa vez, veio Maria Rosa. O tempo foi passando, José começou a andar, Maria Rosa, a engatinhar, e só então Ana, com 5 anos, deu seus primeiros passos. Fiquei aliviada porque se comprovou que ela não tinha nenhum problema físico. Não andava porque precisava de 'colo'. Também já falava bastante. Aliás, ela é hoje a mais tagarela de todos os meus filhos.
José e eu nos dávamos muito bem. Assim, novas gestações aconteceram. Ao todo, foram nove. Tinha nascimento todo ano. A minha última filha nasceu quando eu estava com 41 anos. Ana, a mais velha, tem 50 anos, e a caçula, 30.
A cada notícia de gravidez, era sempre uma apreensão. Eu morria de medo de perder outro filho. Na verdade, o fantasma da morte nunca me deixou em paz. Engraçado que eu mesma, agora com 70 anos, não tenho medo de morrer. Sei que ninguém escapa desse momento, mas nunca me ocupei desse assunto.
Por causa de tantas perdas, me tornei uma mãe mais do que superprotetora. Sempre tive um cuidado absurdo com eles, não deixava que saíssem muito tempo de perto de mim. Também me culpava pelas coisas que aconteciam com eles. Uma vez, José caiu e machucou feio o rosto. Levou ponto e tudo. A culpada, claro, era eu! Não tinha olhado o menino direito. Se alguém pegava um resfriado, eu é que tinha descuidado do cobertor.
Em 1978, mudamos de vida. Vendemos o sítio, a casa e a plantação e viemos morar em São Paulo, onde José abriu seu negócio de marcenaria. Demorei a me acostumar com a cidade e isso acabou me deixando ainda mais cuidadosa com os meus filhos. Mas eles cresceram e fizeram suas vidas. Todos casaram, têm filhos -tenho 23 netos e 8 bisnetos- e trabalham. Só uma de minhas filhas, a quinta, seguiu o meu caminho. Ela sempre se pareceu demais comigo. Desde pequena dizia que, quando crescesse, ia ser mãe. Teve dez filhos, dois morreram recém-nascidos. Essas perdas mexeram comigo. Fiquei triste e, de certa maneira, revivi meu passado.
Os outros têm famílias mais comuns, de dois, três filhos. Falo com os nove todos os dias, por telefone, à noite. Se não consigo falar com um, não sossego. Quero saber se estão bem, como passaram o dia, essas coisas. E domingos e feriados almoçamos juntos. É difícil reunir todo mundo sempre, mas a gente se esforça. Tenho certeza de que meus filhos, netos e bisnetos gostam da minha companhia.
Olhando para trás, não sei como dei conta de colocar os nove em um bom caminho. O único senão da minha história é que não fiz uma carreira, acabei cuidando da família. Não recrimino quem deixa os filhos para trabalhar. Mas no meu caso decidi que eu ia ser mãe em período integral. José aceitou sem se queixar.
Há cinco anos, ele morreu. Teve um derrame fulminante. Mais uma vez não tive tempo de preparar o coração! Nossos filhos já estavam crescidos, e eu tive que aprender a viver sozinha. Engraçado isso. Vivi tantos anos com tanta gente em casa e, de repente, me vi assim, eu comigo mesma. Não foi fácil encarar essa realidade, mas tento não me apegar às tristezas.
Penso sempre no meu casamento, que foi uma maravilha, e em José como um grande companheiro. Realmente não posso reclamar de nada. Se sou feliz? Claro que sou. Quantas pessoas conseguem realizar seus sonhos? Tenho um orgulho imenso da família que criei, tenho prazer em ver meus filhos, conversar com eles e me divertir com os meus netos e bisnetos. Os mais velhos já trazem suas namoradas para me conhecer. Não é o máximo? Isso é vida!"