sábado, 14 de agosto de 2010

E ele se foi

Photo Credit: Abcdz2000

O Guilherme não chegou a completar um dia de vida. Ele se foi, sem que pudéssemos fazer nada. Após a notícia fez-se um longo silêncio, criou-se um grande vazio. Ainda não existe uma palavra pra expressar exatamente o que senti neste momento. Aprendi muito rapidamente que por mais que eu quisesse, não tinha o menor controle sobre a vida do meu filho. Tenho certeza de que tudo o que acontece é para o nosso bem (1), mesmo que a gente não compreenda na hora, mas não é fácil sentir isto no momento da perda de um ente querido. Ele passou por inúmeros procedimentos, mas seu pulmão não resistiu. A pediatra disse que se ele tivesse sobrevivido, não teria a menor idéia dos danos que a parada respiratória teria causado em seu cérebro. Apesar da minha dor, naquele momento eu não queria que ele sofresse mais. Eu pensei em seu alívio, em sua libertação. Parece bem cruel a pediatra ter descrito tudo o que se passou, mas para mim facilitou muito a nossa despedida. Nós o vimos, logo em seguida, mas não quis pegá-lo no colo. Ele não estava mais ali (2). Ele não era mais meu. Se um dia me perguntarem qual foi dia mais feliz e o mais triste da minha vida, eu direi que foi o mesmo. Deste momento em diante, tudo foi mecânico, ainda tive que ficar no hospital, e o seu sepultamento ocorreu só dois dias depois, após todos os trâmites serem cumpridos: o seu registro de nascimento e o seu registro de óbito. Mas confesso que um filme de tudo que aconteceu não parava de rodar na minha mente e a única coisa que eu procurava era o que eu tinha feito de errado. É inevitável o sentimento de culpa e de fracasso. Foram horas intermináveis até o momento em que pude sair do hospital. Fui ao cemitério acompanhar o seu sepultamento (3), mas com a principal intenção de estar ao lado do meu marido. Nossa família e alguns amigos também foram até lá, e logo tudo estava encerrado. Ainda meu marido teria mais uma difícil tarefa, a de retirar todas as coisas do Guilherme de nosso apartamento. Eu sei que deveria doar todas as coisas, mas eu não quis, então elas foram guardadas na casa dos meus sogros. Eu quis guardá-las porque tudo foi feito, comprado ou presenteado com muito carinho, e eram dele, mesmo que ele não fosse usá-las. Enfim, ele não ficou conosco porque não era o melhor pra ele. Cada ser tem sua missão (4) a cumprir e o Guilherme a cumpriu muito rapidamente, muito embora eu ainda o tenha sentido perto de mim por muito tempo. Eu acredito na continuidade da vida após a morte, na reencarnação (5) e na lei de causa e efeito (6). Basicamente isto significa que o espírito, alma, ou ser intelectual, não é destruído com a morte do corpo físico, que é possível renascer tantas vezes quanto forem necessárias para a evolução do espírito e que não existe efeito sem antes ter havido uma causa que é uma lei natural. Disto decorre que eu acredito que o Guilherme está vivo, se preparando para um novo recomeço e que o que nos aconteceu teve uma causa no passado, pois nada acontece por acaso. Esta compreensão foi fundamental para que eu conseguisse caminhar depois da notícia da morte do Guilherme. Cada religião tem uma palavra de consolo para dar aquele que perde um ente querido, e certamente cada pessoa encontrará o argumento que mais lhe acalmar o coração. Eu sinto conforto em crer que o Guilherme vive, que foi amparado por espíritos amigos, e que esta experiência lhe foi útil e necessária para o seu aprimoramento. Tenho ainda a certeza de podermos nos encontrar no futuro, ou nos sonhos. Para nós como pais também foi uma experiência necessária, apesar de neste momento não nos ser permitido compreender todos os aspectos relativos a esta experiência, devido ao esquecimento do passado (7). Creio também que cada ser tem uma programação a ser cumprida e que o acaso, sorte ou azar (8), não existem, mas sim um complexo conjunto de necessidades para a evolução de cada ser.

Mais alguns esclarecimentos:
Para que seja possível compreender como cheguei a todas estas conclusões imediatamente após a morte do Guilherme, e que foram reunidas neste post, é necessário que eu apresente alguns conceitos da Doutrina Espírita nos quais eu acredito e que permitiram que eu tivesse este entendimento sobre a vida após a morte do corpo físico. Eu me baseei nos livros da Codificação Espírita: “O Livro dos Espíritos” e “O Evangelho Segundo o Evangelho Segundo o Espiritismo”. Mas existe uma vasta bibliografia que pode ser consultada para tirar dúvidas e conhecer melhor estes conteúdos, se você se interessar.

Princípios básicos da Doutrina Espírita
- A existência de Deus
- A existência e sobrevivência do espírito após a morte do corpo físico
- A pluralidade das existências - Reencarnação
- A pluralidade dos mundos habitados
- A comunicabilidade dos espíritos

Questão n°1 de O Livro dos Espíritos: Que é Deus?
Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. Criou tudo o que há. É o único princípio não criado. Sempre existiu.

NOTAS
(1) “(...) Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque o reino dos céus é para eles. (...)” (São Mateus, cap. V, v. 4, 6 e 10).

Trecho extraído de O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. V – Bem-aventurados os aflitos

(2) Questão n° 153 de O Livro dos Espíritos: Em que sentido se deve entender a vida eterna?
É a vida do Espírito que é eterna; porém, a do corpo é transitória e passageira. Quando o corpo morre, a alma retorna à vida eterna.
Trecho extraído de O Livro dos Espíritos, questões n° 149 a 153, Parte II Cap. 3 – Retorno da vida corporal à vida espiritual. A alma após a morte. 

(3) De acordo com Joana de Angelis, (...) os funerais, cerimônias e ritos fúnebres são valiosos para os familiares, parentes e amigos como forma de despedida, enquanto que para o Espírito, valem mesmo, o sentimento, as preces e vibrações de amor (...).

Trecho extraído do livro Autodescobrimento – uma busca interior, ditado pelo espírito Joana de Angelis, psicografado por Divaldo Pereira Franco, 16ª Ed., Liv. Espírita Alvorada, 1995.

(4) Programação Reencarnatória

Questão n°258 Na espiritualidade, antes de começar uma nova existência corporal, o Espírito tem consciência e previsão das coisas que acontecerão durante sua vida?
– Ele mesmo escolhe o gênero de provas que quer passar. Nisso consiste seu livre-arbítrio.

Questão n°258 a Então não é Deus que impõe os sofrimentos da vida como castigo?
– Nada acontece sem a permissão de Deus, que estabeleceu todas as leis que regem o universo. Perguntareis, então, por que Ele fez esta lei em vez daquela. Ao dar ao Espírito a liberdade de escolha, deixa-lhe toda a responsabilidade de seus atos e de suas conseqüências, nada impede seu futuro; o caminho do bem está à frente dele, assim como o do mal. Mas, se fracassa, resta-lhe uma consolação: nem tudo está acabado para ele. Deus, em sua bondade, deixa-o livre para recomeçar, reparando o que fez de mal. É preciso, aliás, distinguir o que é obra da vontade de Deus e o que é obra do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós que o criastes, foi Deus; mas tendes a liberdade de vos expor a ele, por terdes visto aí um meio de adiantamento, e Deus o permitiu.

Questão nº259 Se o Espírito tem a escolha do gênero de prova que deve passar, todas as dificuldades que experimentamos na vida foram previstas e escolhidas por nós?
– Todas não é a palavra, porque não se pode dizer que escolhestes e previstes tudo que vos acontece neste mundo, até nas menores coisas. Vós escolhestes os gêneros das provas; os detalhes são conseqüência da situação em que viveis e, freqüentemente, de vossas próprias ações. Se o Espírito quis nascer entre criminosos, por exemplo, sabia dos riscos a que se exporia, mas não tinha conhecimento dos atos que viria a praticar; esses atos são efeito de sua vontade ou de seu livre-arbítrio. O Espírito sabe que, ao escolher um caminho, terá uma luta a suportar; sabe a natureza e a diversidade das coisas que enfrentará, mas não sabe quais os acontecimentos que o aguardam. Os detalhes dos acontecimentos nascem das circunstâncias e da força das coisas. Somente os grandes acontecimentos que influem na vida estão previstos. Se seguis um caminho cheio de sulcos profundos, sabeis que deveis tomar grandes precauções, porque tendes a probabilidade de cair, mas não sabeis em qual deles caireis; pode ser que a queda não aconteça, se fordes prudente o bastante. Se, ao passar na rua, uma telha cai na vossa cabeça, não acrediteis que estava escrito, como se diz vulgarmente.

Trecho extraído de O Livro dos Espíritos, questões n° 258 a 273, Parte II, Cap. 6 – Vida Espírita. Escolha das provas.

(5) Reencarnação

“(...) Todo Espírito está destinado à perfeição, e como não poderia atingi-la numa só vida, Deus concede-lhe outras existências, para que possa crescer em inteligência e moralidade. O renascimento sucessivo do Espírito na dimensão material é chamado reencarnação.(...)”
“(...) A reencarnação é a chave que explica a Justiça e a Misericórdia de Deus. Através dela, todas as aparentes injustiças podem ser compreendidas. Todos os erros podem ser redimidos por meio de novas experiências e os Espíritos, cedo ou tarde, encontram o caminho do Bem.(...)”
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 “... Poucos imaginarão que seja o carbono, o carbono comum, esse que nós utilizamos como grafite para escrever, o mesmo que se faz diamante depois, submetido a pressões agigantadas no coração tépido do planeta.
Vemos que tudo que é matéria se transforma. Tudo morre, transforma-se, para reaparecer em novas expressões. O carbono, que vira grafite, que vira diamante. Ora, é muito bonito pensar na morte com este olhar...”
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(6) Lei de causa e efeito

“(...) O Criador concede a seus filhos o livre arbítrio, ou seja, a liberdade de agirem como bem entenderem. Porém, todas essas ações estão sujeitas a uma lei natural de justiça, chamada de "causa e efeito", "ação e reação" ou "plantio e colheita". É por meio desta lei que somos responsáveis por tudo quanto fazemos ao próximo ou ao nosso próprio Espírito.
O princípio de causa e efeito não foi criado pelo Espiritismo. Ele é uma das leis da Física promulgada pelo sábio Isaac Newton, que tem o seguinte enunciado:
"A toda ação realizada num determinado sentido, corresponderá uma reação de mesma intensidade e direção oposta".
Muitos sofrimentos de pessoas ou povos que se observam na atualidade, são perfeitamente explicados pelo mecanismo da ação e reação da Lei de Deus. Obras más, de encarnações passadas neste ou noutros mundos, provocam colheitas desagradáveis na presente existência. Do mesmo modo, se o Bem for objeto de preocupação das criaturas, o futuro guardará para elas uma situação de paz, satisfação e felicidade.(...)”
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(7) Esquecimento passado

“(...) Em vão se objeta que o esquecimento constitui obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores. havendo Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. Com efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim, entravar o nosso livre-arbítrio. Em todas as circunstâncias, acarretaria inevitável perturbação nas relações sociais. (...)”

Trecho extraído do livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. V – Bem aventurados os aflitos – Esquecimento do Passado.

Para saber mais, leia as questões de número 392 a 399 de O Livro dos Espíritos que tratam sobre o esquecimento do passado.

(8) Fatalidade

Questão n°851 Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme o sentido que se dá a essa palavra, ou seja, todos os acontecimentos são predeterminados? Nesse caso, como fica o livre-arbítrio?
– A fatalidade existe apenas na escolha que o Espírito fez ao encarnar e suportar esta ou aquela prova. E da escolha resulta uma espécie de destino, que é a própria conseqüência da posição que ele próprio escolheu e em que se acha. Falo das provas de natureza física, porque, quanto às de natureza moral e às tentações, o Espírito, ao conservar seu livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor para ceder ou resistir. Um bom Espírito, ao vê-lo fraquejar, pode vir em sua ajuda, mas não pode influir de modo a dominar sua vontade. Um Espírito mau, ao lhe mostrar de forma exagerada um perigo físico, pode abalá-lo e assustá-lo. Porém, a vontade do Espírito encarnado está constantemente livre para decidir.
Questão nº853 Algumas pessoas mal escapam de um perigo mortal para logo cair em outro; parece que não teriam como escapar à morte. Não há fatalidade nisso?
– A fatalidade só existe, no verdadeiro sentido da palavra, apenas no instante da morte. Quando esse momento chega, seja por um meio ou por outro, não o podeis evitar.


Trecho extraído de O Livro dos Epíritos, questões n° 851 a 867, Parte III, Cap. 10 – Lei de Liberdade. Fatalidade.

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